Nos vinte anos da tragédia, novos dados contrastam com o número divulgado no ano passado pela Agência Internacional de Energia Nuclear, que previa um máximo de 4 mil casos fatais decorrentes do acidente

Estudo lançado hoje pelo Greenpeace, baseado em pesquisas de 60 cientistas da Ucrânia, Belarus e Rússia, aponta que o número de mortes provocadas por Chernobyl nos três países é de quase 100 mil. O relatório “As conseqüências na saúde humana da catástrofe de Chernobyl” revela que, nos últimos 15 anos, 60 mil morreram na Rússia em decorrência da explosão do reator nuclear no dia 26 de abril de 1986. Em Belarus e na Ucrânia, o número total de mortes pode chegar ainda a 140 mil, segundo o estudo.

Apesar das dificuldades para dimensionar o real número de vítimas, os resultados do relatório do Greenpeace comprovam que as estatísticas oficiais da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), divulgadas em setembro último e que falam em 4 mil vítimas, subestimam de forma grosseira o número de mortes provocadas pelo acidente, numa atitude desrespeitosa para com as vítimas.

O relatório mostra ainda que a radiação liberada por Chernobyl teve um efeito devastador sobre os sobreviventes da tragédia, aumentando a incidência, além de câncer, de doenças cardiovasculares e nos sistemas imunológico e endócrino, acelerando a taxa natural de envelhecimento, e aumentando o número de malformações fetais e mutações cromossômicas, além de doenças psicológicas na população afetada.

Há ainda sólidas evidências de que o acidente causou sérios impactos na saúde de milhões de pessoas. Além dos efeitos diretos causados pela radioatividade, houve uma série de danos ocasionados pela crise econômica e social provocada pela perda de área agrícola, remoção forçada de 300 mil pessoas, além da falta de informação e fatores políticos.

Essas conclusões se opõem de forma drástica às declarações feitas pela AIEA no ano passado. A agência não especificou em seu relatório que os 4 mil casos fatais referiam-se apenas a um grupo específico (e relativamente pequeno) de 600 mil pessoas, entre a população removida e os que trabalharam na ‘limpeza’ das áreas contaminadas (conhecidos como liquidatários). Na verdade, calcula-se que 2 bilhões de pessoas foram submetidas à radiação liberada pelo acidente.

Os dados da AIEA escondem a verdadeira dimensão de Chernobyl e não levam em consideração outras doenças que não o câncer, além de tentar explicar muitas das doenças como ‘radiofobia’, sem considerar evidências médicas claras de que a exposição da glândula tireóide à radiação causa distúrbios psicológicos.

“É assustador que a AIEA tente atenuar os impactos do acidente nuclear mais grave de toda a História”, disse Guilherme Leonardi, coordenador da campanha de energia do Greenpeace Brasil. “Negar os danos de Chernobyl pode ter graves conseqüências, como o repovoamento de áreas ainda contaminadas. A AIEA não pode continuar com seu papel de fiscalizador internacional da energia nuclear se não consegue nem admitir as mortes que o acidente de Chernobyl causou”, concluiu.

No Brasil, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), assim como a Agência Internacional, acumula as funções de estimular a energia nuclear e fiscalizar a segurança da sua utilização. Essa perigosa contradição foi um dos problemas apontados pelo relatório sobre segurança nuclear da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, aprovado por unanimidade em 21 de março deste ano. O grave acidente do Césio-137 em Goiânia em 1988 mostrou deficiências na área de segurança nuclear que persistem até hoje, conforme concluiu a Câmara dos Deputados.

Enquanto o governo federal ainda insiste na discussão da expansão do Programa Nuclear Brasileiro, principalmente com a construção de Angra 3, o Greenpeace luta pelo abandono total dessa energia, que é cara, perigosa, suja e gera um problema com o lixo nuclear que até hoje não tem solução. Essa tecnologia obsoleta deve ser substituída por fontes modernas de energias renováveis, seguras e limpas, para as quais o país possui imenso potencial.

Leia as principais conclusões do relatório:

  • A incidência de câncer aumentou bruscamente em Belarus, Ucrânia e Rússia. Entre 1990 e 2000 houve um aumento de 40% em todos os cânceres na Bielorússia e um aumento de 52% na região de Gomel. Na Ucrânia, houve um aumento de 12% e, na região de Zhytomir, a morbidade aumentou quase três vezes. Na região russa de Bryansk, a incidência de câncer cresceu 2,7 vezes.
  • Somente em Belarus, cerca de 7 mil cânceres de tireóide a mais foram identificados até 2004. Um recente estudo mostrou que a doença em crianças aumentou 88,5 vezes, em adolescentes, 12,9 vezes e, em adultos, 4,6 vezes. Estima-se que, em Belarus, entre 14 mil e 31,4 mil cânceres adicionais de tireóide aconteçam em 70 anos.
  • Para a Ucrânia, cerca de 24 mil cânceres de tireóide são esperados, dos quais 2.400 fatais.
  • Esse aumento dramático de câncer de tireóide não era esperado. Após o acidente, aguardava-se apenas um pequeno aumento. Esses casos de câncer são extremamente agressivos. Com um pequeno período de latência e uma proliferação para além da tireóide em quase 50% dos pacientes, forçam cirurgiões a conduzirem repetidas operações para remover metástases residuais.
  • A leucemia começou a aumentar significativamente na maioria das populações expostas cerca de 5 anos após o acidente. Estima-se que a população de Belarus poderá sofrer 2.800 casos adicionais de leucemia entre 1986 e 2056, sendo mais de 1.880 fatais.
  • Foi observado um aumento significativo de cânceres de intestino, reto, mama, vesícula biliar, rim, pulmão e outros. Entre 1987 e 1999, cerca de 26 mil casos de câncer induzido por radiação foram registrados em Belarus, dos quais 18,7% de câncer de pele, 10,5% de câncer de pulmão e 9,5% de câncer de estômago.
  • Enfermidades nos sistemas de circulação sangüínea e linfática aumentaram na Ucrânia, Bielorússia e Rússia. Em Belarus, doenças no sistema circulatório sangüíneo aumentaram 5,5 vezes dez anos após o acidente. Na Ucrânia, doenças sangüíneas e circulatórias sangüíneas aumentaram por um fator de 10,8 a 15,4 entre aqueles que viviam em áreas contaminadas.
  • Impactos da radiação no sistema reprodutivo: a acumulação de radionuclídeos no sangue feminino levou a um aumento na produção do hormônio masculino testosterona, causando a expressão de características masculinas. De outro lado, a impotência se tornou mais comum em homens de 15-30 anos que vivem em regiões contaminadas pela radiação. Crianças de territórios poluídos sofreram retardamento do desenvolvimento sexual. Mães sofreram de ocorrência tardia e distúrbios de menstruação e problemas ginecológicos mais freqüentes, anemia durante e após a gravidez, anomalias durante o trabalho de parto e parto prematuro.
  • O acidente de Chernobyl destruiu sociedades inteiras em Belarus, Ucrânia e Rússia. Uma complexa interação entre fatores provocou a realocação de pessoas, perdas de territórios agrícolas e contaminação de alimentos, crise econômica, gastos de reparos, problemas políticos, uma deficitária força de trabalho etc. Surgiu uma crise sócio-econômica generalizada.

Leia a íntegra do relatório em inglês:

http://www.greenpeace.org.br/nuclear/pdf/

Leia o sumário-executivo do relatório em português:

http://www.greenpeace.org.br/nuclear/pdf/

Leia o relatório da Câmara dos Deputados sobre segurança nuclear:

http://www2.camara.gov.br/comissoes/cmads/

Para o relatório do Forum sobre Chernobyl da IAEA Chernobyl Forum, acesse:

http://www.iaea.org/Publications/Booklets/

 

Leia mais: O Legado de Chenobyl

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