Apesar de considerado um passo importante na política climática brasileira, especialistas lamentam que a oposição no Congresso tenha retirado do texto aprovado pontos importantes relacionados à justiça climática e direitos humanos.

Milhões de pessoas foram atingidas pelas fortes chuvas no Sul do país; É tempo de solidariedade e o Greenpeace Brasil seguirá fortalecendo essa trincheira enquanto for preciso. © Tuane Fernandes/Greenpeace

Um mês após a tragédia causada pelas chuvas extremas no Rio Grande do Sul, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira (04), o Projeto de Lei (PL) 4129/2021, conhecido como o PL dos planos de Adaptação, que estabelece regras para a formulação de planos nacionais, estaduais e municipais de adaptação.

Organizações ambientais classificam a aprovação como um passo importante na política de enfrentamento à crise climática, mas lamentam que, na última hora, a oposição tenha retirado do texto menções que garantiam uma abordagem étnica, de raça e gênero. (veja reativas abaixo)

Aprovado com rapidez na Câmara graças a um requerimento de urgência, o Senado aprovou o  PL 4129/2021 de forma simbólica em 15 de maio, onde tramitou pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) com poucas resistências. Na ocasião, o relatório aprovado na CMA, do Senador Alessandro Vieira, incorporou sugestões feitas pela Rede Por Adaptação Antirracista, retornando para nova apreciação da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, onde foram retiradas as sugestões.

“O art. 2° do relatório do Senado trazia um rol de diretrizes para os planos de adaptação às mudanças do Clima que considerava etnia, raça, gênero, idade e deficiência no diagnóstico, na análise, na proposição, no monitoramento e em outras iniciativas integrantes dos planos. Essas diretrizes foi um pedido de inclusão feito pela Rede por Adaptação Antirracista. Na votação desta terça, contudo, a oposição no Congresso não aceitou a inclusão das palavras raça e gênero, e o inciso foi cortado do texto. Ficamos chateados com a notícia de exclusão dessas palavras, mas a Rede seguirá incidindo no Executivo para que essa diretriz seja incorporada de forma transversal”, explica a analista de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Gabriela Nepomuceno.


Apesar disso, a aprovação é considerada um respiro diante de um Congresso marcado por vários retrocessos ambientais em curso: atualmente, pelo menos 25 projetos de lei e três propostas de emenda à Constituição (PECs), que compõem o Pacote da Destruição, avançam em várias frentes, como licenciamento ambiental, direitos indígenas e financiamento da política ambiental.

Em resumo, a aprovação do PL dos Planos de Adaptação é considerada uma vitória por:

  • Priorizar populações, setores e regiões mais vulnerabilizados; 
  • Articular União, estados e municípios; 
  • Estabelecer a integração dos Planos de Adaptação com a os planos sobre mudança do Clima, estimulando que todos os setores de políticas governamentais considerados vulneráveis aos impactos do Clima (por ex: (Agricultura, Indústria e Mineração, Infraestrutura, Povos e populações vulneráveis, Segurança Alimentar entre outros) possuam estratégias para a gestão do risco climático;
  • Estabelecer que  as medidas de adaptação devem estar alinhadas com as metas nacionais de desenvolvimento socioeconômico e de redução das desigualdades regionais, em âmbito federal estadual e municipal;
  • Indicar qual será a fonte de financiamento para os planos de adaptação;
  • Fomentar agricultura de baixo carbono;
  • Prever o estabelecimento de indicadores para monitoramento e avaliação dos Planos.

Agora, o projeto de lei, que é de autoria da Deputada Tábata Amaral (PSB-SP), segue para sanção presidencial. 

Veja as reações e comentários de algumas das organizações que compõem a Rede por Adaptação.

O coordenador de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, Igor Travassos, afirma:

“Diante do cenário que enfrentamos nos últimos anos, com eventos climáticos extremos cada vez mais parte do nosso cotidiano, evidenciando e aprofundado as desigualdades históricas do país, a aprovação do PL 4129/21 é uma conquista e reflete a necessidade que a sociedade demanda do Governo Federal, dos estados e dos municípios de estes estarem preparados para lidar com a crise climática. É importante reforçar que o Governo Federal está desenvolvendo o Plano Clima – Adaptação, e esse plano precisa ser uma política estruturante, para que estados e municípios o reproduzam considerando no processo de elaboração desses planos, sobretudo, a participação da sociedade civil e das pessoas mais impactadas. Afinal, são essas pessoas que conhecem os territórios e detém as tecnologias sociais para enfrentar a crise climática e criar estratégias para se adaptar a ela”. 

A assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra, Mariana Belmont, critica:

“As desigualdades de raça e gênero estão intrinsecamente ligadas, e devem ser tratadas de maneira integrada, elas denunciam o racismo ambiental. No apagar das luzes, a extrema direita derrubou os termos ‘gênero’ e ‘raça’, pontos fundamentais do projeto. A articulação de movimentos negros, ambientalistas e de direitos humanos para que o PL4129 melhorasse foi enorme, retirar pontos fundamentais para a sociedade é um prejuízo a lei. O racismo ambiental acontece nos territórios negros das cidades, nos territórios quilombolas e indígenas do país. O Congresso Nacional precisa sentir a urgência da realidade e da emergência climática no país. Agora cabe ao Ministério do Meio Ambiente reforçar e se responsabilizar em garantir raça e gênero, não só transversal, não só como tema, mas como garantia de direitos no Plano Clima Adaptação”. 

A secretária executiva da Rede por Adaptação Antirracista, Thaynah Gutierrez, afirma:

“A aprovação do PL 4129/21 representa um avanço significativo na concretização do Plano Clima Adaptação, que a nível federal pode orientar políticas mais eficazes para estados e municípios. No entanto, a exclusão dos incisos VI e X do artigo 2, que abordavam a consideração de critérios étnicos, raciais, de gênero e de condição de deficiência, enfraquecem as chances de implementação de Planos de Adaptação às Mudanças Climáticas que deem prioridade às comunidades mais vulneráveis diante do aumento dos eventos climáticos extremos. Esta modificação, realizada em resposta à pressão da oposição na Câmara dos Deputados, sublinha a urgência de uma manifestação mais incisiva do governo federal no Plano Clima Adaptação, com uma abordagem interseccional e transversal que priorize as populações negras, indígenas, mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência, pois são esses grupos que estarão entre a vida e a morte diante os desastres”.

A coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, pondera:

“Em plena crise climática e enfrentando a situação de tragédia no Rio Grande do Sul, a aprovação de uma lei com diretrizes para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima é bem-vinda. O texto prioriza uma visão integradora entre mitigação e adaptação, a transversalidade e a sinergia com a política de proteção e defesa civil. Contudo, na fase final das negociações, infelizmente perdeu dispositivos relevantes na perspectiva da justiça climática. De toda forma, espero que o Congresso continue mostrando preocupação com a questão climática e, por coerência, afaste da pauta os projetos que integram o Pacote da Destruição. Não adianta falar de adaptação e, ao mesmo tempo, flexibilizar as regras de controle do desmatamento ou implodir o licenciamento ambiental, potencializando a implantação de empreendimentos que desconsideram o meio ambiente e o clima”.

O Analista de políticas de Clima do Instituto Socioambiental (ISA), Ciro Brito, comenta:

“O PL de Adaptação é muito importante e, por isso, urgente. Tem o potencial de engajar municípios e estados a desenvolverem seus planos de adaptação, oferecendo um padrão de governança e alternativas de financiamento para a criação desses planos. Agora aprovado, não há porquê os estados e municípios não cumprirem o dever de casa de se planejarem para enfrentar esses efeitos climáticos extremos. Os planos subnacionais, por sua vez, são importantes, porque são os instrumentos adequados para trazer soluções que considerem as especificidades dos territórios brasileiros. O agravamento dos efeitos climáticos extremos se dá de maneiras diferentes. O Rio Grande do Sul e o Acre enfrentaram as enchentes; Roraima e partes do Estado do Pará, como Santarém, enfrentaram as secas dos rios; Ambas situações extremas e que requerem diferentes soluções”.

A Especialista em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, Flávia Martinelli, explica:

“O PL aprovado na Câmara dos Deputados estabelece diretrizes mínimas para um problema urgente no Brasil: promover cidades mais resilientes e adaptadas aos efeitos da crise climática, e reduzir os impactos desses eventos para as populações mais vulneráveis. Para isso, o texto cita a importância da adoção de soluções baseadas na natureza como parte das estratégias de adaptação. Isso significa que, para que as cenas vistas no Rio Grande do Sul não se repitam, precisamos entender a natureza como aliada, promovendo a permeabilização do solo, plantando árvores nativas, que ajudam a amenizar o calor e as chuvas, e recuperando matas ciliares e encostas, entre outras iniciativas. O PL é uma das respostas necessárias à emergência climática e aos eventos climáticos extremos, mas não pode ser a única. Senadores e deputados devem urgentemente barrar o ‘Pacote da Destruição’, rejeitando projetos que favorecem o desmatamento e fragilizam a legislação ambiental”.

Sem a ajuda de pessoas como você, nosso trabalho não seria possível. O Greenpeace Brasil é uma organização independente - não aceitamos recursos de empresas, governos ou partidos políticos. Por favor, faça uma doação hoje mesmo e nos ajude a ampliar nosso trabalho de pesquisa, monitoramento e denúncia de crimes ambientais. Clique abaixo e faça a diferença!