Nota técnica aponta que, em 2023, território registrou mais de mil alertas de desmatamento associados ao garimpo e perdeu 240 hectares para a extração ilegal de ouro e cassiterita 

A área explorada pelo garimpo ilegal dentro da terra Yanomami aumentou 7% em 2023 © Christian Braga / Greenpeace

Uma nota técnica lançada pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) nesta sexta-feira (26) mostra que, apesar de um ano de intervenção federal dentro da Terra Indígena Yanomami, o garimpo não só continua naquele território como permanece abrindo novas áreas e prejudicando gravemente a sobrevivência dos povos originários que vivem naquela região. 

O documento é referendado por outras organizações – como Associação Wanassedume Ye’kwana (Seduume) e a Urihi Associação Yanomami – e contou com apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) e do Greenpeace Brasil. 

De acordo com a nota técnica, foram registrados no território Yanomami, entre janeiro e dezembro do ano passado, 1.127 alertas de novas áreas de desmatamento associadas ao garimpo, que somaram 238,9 hectares. 

Os meses que mais registraram alertas foram janeiro (310), março (193) e outubro (119). Chama atenção o fato de que nos últimos dois meses o território já estava sob intervenção, com presença de forças de segurança. Em janeiro, foram 67,7 hectares devastados; em março, 52,3; e em outubro, 22,6 hectares. Cada hectare é equivalente ao tamanho de um campo de futebol.

Regiões mais devastadas

A região mais devastada em 2023 foi a região do rio Couto de Magalhães, que totalizou, ao longo de todo o ano passado, 78 hectares destruídos por conta do garimpo. Este rio está situado na região central do território Yanomami e é um afluente do rio Mucajaí. 

Logo após a região do Couto Magalhães, veio a região do rio Mucajaí, que registrou no ano passado 55 hectares devastados. Este rio sempre teve forte presença garimpeira e, em 2023, sua nascente foi bastante prejudicada com a abertura de novas áreas para exploração ilegal de ouro e cassiterita.  Foi no rio Mucajaí que, em novembro do ano passado, foi registrada a queda de um avião de garimpeiros.  

A terceira região mais devastada do território em 2023 foi a área do rio Uraricoera, que registrou 32 hectares. Esta região teve uma enorme redução da atividade garimpeira e foi um dos focos de atuação das forças federais ano passado – mas, ainda assim, os criminosos conseguiram abrir novas áreas de exploração ilegal por ali também.   

Este levantamento foi feito através da interpretação de imagens de satélites de 4,7 metros de resolução da Planet. Foram utilizados os mosaicos mensais e, em algumas situações, os diários, para identificação de novas áreas de desmatamento abertas pela atividade garimpeira.

O garimpo é vetor de inúmeros problemas socioambientais dentro da terra Yanomami © Christian Braga / Greenpeace

Falta proteção

De acordo com estudo, o garimpo desacelerou em 2023, mas ainda teve a sua área dentro da Terra Indígena Yanomami ampliada em 7%. A área total devastada já acumula 5.432 hectares e impacta 21 das 37 regiões existentes. O ano teve ainda o registro de 308 mortes de Yanomami e Ye’kwana sem que servidores da saúde conseguissem atender comunidades vulneráveis por medo dos garimpeiros ilegais. Dessa forma, mortes por doenças tratáveis seguiram ocorrendo em escala semelhante a dos últimos anos.

O líder Yanomami e presidente da HAY, Davi Kopenawa, pediu que o governo federal reforce as ações de saúde em toda a Terra Indígena Yanomami, mantendo um trabalho coordenado que garanta a assistência para os Yanomami e Ye’kwana: “Já completou um ano. Agora em 2024, vamos começar de novo? Eu queria conversar com o Exército e com os militares porque eles estão lá para proteger a floresta nacional, a floresta Amazônica, mas não estão protegendo. Só protegem os quartéis e o território Yanomami precisa de proteção porque essa floresta é uma proteção para o Brasil”.

Saúde

Das 308 mortes de Yanomami em 2023, 129 foram por doenças infecciosas e parasitárias (21%) e doenças respiratórias (21%). Casos destes tipos seriam facilmente tratáveis se a estrutura de atenção à saúde Yanomami funcionasse. No entanto, o novo relatório aponta que o garimpo intimida servidores da saúde e impede que esses profissionais atuem em comunidades mais vulneráveis.

A presença do garimpo impacta também na cobertura vacinal de crianças. Conforme dados do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY), menos da metade de crianças de até um ano, em 29 polos de saúde, recebeu todas as vacinas. Na faixa de 1 a 4 anos, 14 pólos tiveram menos da metade das crianças totalmente vacinadas. Na região do Xitei, onde profissionais de saúde estão impedidos de visitar casas coletivas em razão do garimpo, a vacinação atingiu apenas 1,8% das crianças de até 1 ano, e 4,2% das crianças de 1 a 4 anos.

A malária também é um dos problemas ainda não solucionados. Mesmo sem a disponibilização dos dados de novembro e dezembro de 2023, o ano acumulou mais de 25 mil casos, tendo uma média de quase dois mil casos para 12 meses. Ano passado os dois pólos mais afetados pela malária foram Auaris e Palimiú. Juntos, eles concentraram 37% de todos os casos da Terra Indígena Yanomami – mais de 9 mil casos. Em ambas as regiões, sabe-se da influência do garimpo como principal vetor da doença.

Nas últimas semanas, uma comitiva interministerial esteve em Roraima para anunciar novas medidas de combate ao garimpo. Nesta foto, Davi Kopenawa (de azul) conversa com Weibe Tapeba, Secretário de Saúde Indígena, e Sonia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas © Leo Otero / Ministério dos Povos Indígenas (MPI)

Retorno massivo

Estima-se que até 80% dos invasores tenham sido retirados nos primeiros seis meses de operação federal. No entanto, durante o segundo semestre, houve retorno massivo dos garimpeiros ilegais. Os  indígenas da região de Palimiú relatam acordar todos os dias com o barulho de motores de alta potência furando um bloqueio no Rio Uraricoera. Além de Palimiú, o Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami confirmou a presença de garimpeiros em Alto Catrimani, Alto Mucajaí, Apiaú, Auaris, Homoxi, Kayanau (Papiu), Maturacá, Missão Catrimani, Papiu (Maloca Papiu), Uraricoera, Waikás, e Xitei.

A presença de forças oficiais dentro do território também fez com que os garimpeiros sofisticassem seus métodos: eles tem usado de diversos novos expedientes, como trabalhar de noite; evitar o corte de árvores para que o desmatamento não apareça nas imagens de satélite; e a colocação de estacas em campos abertos, para impedir que aviões e helicópteros pousem em estradas e clareiras abertas no meio da mata. Lideranças também contam que os garimpeiros mudaram seus centros logísticos para a Venezuela, em lugares como Alto Orinoco, Shimada Ocho, Alto Caura, Santa Elena; e têm adotado novas tecnologias de comunicação para se antecipar às operações. 

Recomendações para interromper o avanço do garimpo na Terra Indígena Yanomami, segundo o novo relatório:

  • Retomada urgente das operações de retirada de garimpeiros;
  • Fortalecer a articulação entre as ações e planejar o desenvolvimento delas de maneira integrada, através de uma coordenação intersetorial;
  • Elaboração de um Plano de Proteção Territorial, que reduza a vulnerabilidade das calhas de rio que dão acesso ao território; que promova o bloqueio fluvial e o controle do espaço aéreo; que garanta uma rotina de patrulhamento nos rios; que promova o desenvolvimento de atividades de recuperação socioeconômica das comunidades; que envolva os indígenas nas ações de vigilância; e que faça fiscalização no entorno de pistas de pouso, portos e postos de combustível.
  • Desenvolver um plano para estimular o desarmamento voluntário em regiões sensíveis;
  • Apoiar o reassentamento de comunidades afetadas pelo garimpo que tenham interesse de se mudar para novos locais; 
  • Criação de uma força-tarefa para o controle da malária na Terra Indígena Yanomami;
  • Ampliação das parcerias com organizações de saúde que possam ajudar a enfrentar a crise sanitária;
  • Melhorar algumas ações que já ocorrem na área da saúde – como fazer reformas nas estruturas de saúde destinadas a atender os Yanomami, bem como nas pistas de pouso que atendem os postos de saúde; investir na mobilidade segura dos funcionários dentro de território; criar novas unidades de saúde; e garantir o controle social dos orçamentos do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY).
Em 2023, a liderança Júlio Ye ‘kwana esteve conosco numa ação que exigiu da empresa sul-coreana Hyundai que retirasse suas máquinas escavadeiras de dentro do território Yanomami © Tuane Fernandes / Greenpeace

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