Território enfrenta uma catástrofe ambiental, com 11,6% de sua área consumida pelo fogo
Ao sobrevoar a Terra Indígena Capoto-Jarina, no Mato Grosso, a visão é devastadora: um grande território, antes verde e vivo, agora reduzido a cinzas e labaredas. Paredões de fumaça se erguem, enquanto o fogo devora hectares de floresta e o horizonte se torna imperceptível em meio à névoa densa e cinza.
A destruição é imensa: 73,7 mil hectares já foram consumidos pelas chamas, o que representa 11,6% de todo o território. Esse cenário desolador ilustra o impacto das queimadas que assolam a Amazônia, atingindo especialmente as Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Florestas Públicas, áreas que historicamente resistem à pressão da expansão agropecuária, do garimpo e do desmatamento.
Entre agosto e 6 de setembro, o território registrou 611 focos de calor, ocupando o segundo lugar no ranking das Terras Indígenas com mais ocorrências no bioma Amazônia, ficando atrás apenas da TI Kayapó.
Produção devastada
As aldeias, que abrigam 1.589 indígenas distribuídos em 13 comunidades, enfrentam uma realidade de destruição e medo. Entre os locais mais afetados estão as aldeias Kremoro, Kromaré, Tonhoré, Kretiré, Jatobá e Piaraçu, todas situadas ao longo do rio Xingu, fonte de biodiversidade e vida para diversos povos, incluindo indígenas e ribeirinhos.
A devastação não afeta apenas a floresta. Os povos indígenas da Terra Indígena Capoto-Jarina estão sendo forçados a abandonar temporariamente suas aldeias. O fogo não discrimina: destrói plantações, moradias e força mudanças drásticas no modo de vida dessas comunidades. Na Aldeia Piaraçu, por exemplo, metade da produção de mandioca, alimento essencial para a sobrevivência da população local, foi devastada pelas chamas. Os moradores relatam que o que restou só será suficiente para alimentar a comunidade por cerca de dois meses, antes que a escassez se torne crítica. Durante nossa visita, seria tempo de festa, para celebrar a colheita, mas agora não há frutos e nem motivos para comemoração.
Combate ao fogo
No combate a essa tragédia ambiental, destaca-se o trabalho incansável dos brigadistas do PrevFogo, um programa do IBAMA que, na TI Capoto-Jarina, conta com 42 brigadistas, entre indígenas e não indígenas. Eles enfrentam, diariamente, a árdua tarefa de conter o avanço das chamas, que consomem rapidamente a vegetação e colocam em risco a vida de todos ao redor. Um dos desafios é a dimensão do território: com 634.915 hectares, a TI Capoto-Jarina equivale a quase 900 campos de futebol, e exige uma estrutura de combate ao fogo que vai além do trabalho terrestre.
Foi nessa realidade que conhecemos a brigadista indígena Kanã Waura, neta do cacique Megaron Txucarramãe, e chefe de brigada. Kanã compartilha os desafios de coordenar a luta contra os incêndios florestais: “Não há uma estimativa de horário de trabalho por dia, depende muito de como o fogo está. Criamos escalas para evitar desgaste excessivo dos nossos brigadistas, mas o trabalho é cansativo e perigoso”. Seu relato ressalta a exaustão física e emocional que o combate ao fogo impõe aos brigadistas, que, apesar das dificuldades, seguem firmes na missão de proteger suas terras.
No entanto, a perda de Uellinton Lopes dos Santos, um brigadista do IBAMA, lembra a todos que o perigo é real e iminente. Seu corpo foi encontrado no final de agosto, dentro da TI Capoto-Jarina, após desaparecer durante o combate aos incêndios no Parque Nacional do Xingu. Esse trágico episódio trouxe à tona a necessidade de reforçar a segurança dos combatentes, o que fez Kanã expressar sua crescente preocupação com a segurança da equipe.
Frota aérea
“Depois que a gente passou por essa situação aqui, eu sinto muito medo pela segurança dos brigadistas, principalmente de quem eu convivo desde o começo, que é o pessoal do meu esquadrão, do meu território aqui, mas a gente segue firme. É muito difícil continuar nessa rotina, é cansativo, mas a gente persiste juntos e é muito bom, é muito gratificante quando a gente consegue um bom resultado. Até lá nós vamos trabalhar de pouquinho em pouquinho para chegar onde nós queremos”, contou.
Apesar do esforço dos brigadistas em campo, a situação clama por mais apoio. Em uma tentativa de aliviar a situação, o Greenpeace Brasil entregou aos moradores da Aldeia Piaraçu 600 kg de cestas básicas e equipamentos de combate ao fogo, além de reforçar seu apelo por uma mobilização mais ampla. O Greenpeace Brasil pede pela criação de uma frota aérea organizada, equipada com aeronaves específicas para o combate a incêndios florestais, como ocorre em países com situações similares. Sem essa resposta, o Brasil continuará a assistir à destruição de seus biomas, especialmente na Amazônia, de maneira irreversível.
Fogo não espera
A cada ano, as secas tornam-se mais severas, como o recente boletim do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) indicou: 73 municípios do Mato Grosso, incluindo a área da TI Capoto-Jarina, estão sofrendo com a intensificação da seca. Isso agrava a situação, tornando o fogo ainda mais difícil de controlar.
A Terra Indígena Capoto-Jarina é apenas um exemplo de um problema muito maior que assola a Amazônia. As queimadas não afetam apenas a fauna e a flora, mas destroem modos de vida, culturas ancestrais e ameaçam a própria sobrevivência dos povos indígenas. Sem uma ação coordenada, que envolva governo, instituições e sociedade civil, o futuro da Amazônia, dos seus biomas e dos seus habitantes, estará em risco.
O Greenpeace Brasil e as lideranças indígenas continuam a pressionar o governo para que intervenha com urgência. Precisamos de políticas públicas que tratem essa crise com a seriedade que ela exige. As Terra Indígenas clamam por proteção, e é nossa responsabilidade como sociedade garantir que sua devastação não se torne irreversível. O Brasil, como detentor de uma das maiores biodiversidades do planeta, tem a responsabilidade de proteger não apenas a floresta, mas também os povos que nela vivem. O fogo não espera, e cada dia sem uma resposta efetiva é um dia a mais de devastação.
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