Com a nova legislação, compradores da UE poderão bloquear aquisições, caso fornecedores não comprovarem que seus produtos não se originaram do desmatamento, legal ou ilegal

Segundo o MapBiomas, até 2021, 88% da área que foi desmatada na Amazônia se transformou em pastagem. © Zé Gabriel / Greenpeace

Bruxelas – Após negociações no Parlamento Europeu, pela primeira vez empresas terão que provar que seus produtos não contribuíram para o desmatamento, se quiserem vendê-los na União Europeia (UE). A lei, aprovada por representantes do Parlamento e de governos de países europeus exigirá que as empresas rastreiem suas commodities ao longo da cadeia de abastecimento até o exato lote de terra onde foi produzido, e provem que a floresta não foi desmatada recentemente, sob pena de multas.

Essa é uma boa notícia para a Amazônia, onde atualmente a pecuária corresponde por quase 90% do desmatamento. Mas embora a lei proteja as florestas, o escritório do Greenpeace  da União Europeia alerta que os dispositivos que garantem a proteção dos direitos humanos e territoriais de povos indígenas e populações tradicionais seguem “frágeis”, e outros biomas, como o Cerrado e o Pantanal, ainda não estão cobertos pela legislação.

Segundo Thais Bannwart, porta-voz do Greenpeace Brasil, a lei aprovada não traz menção específica a tratados internacionais de proteção aos povos indígenas e comunidades tradicionais, como a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), deixando a proteção dessas populações suscetível a brechas. 

“Apesar de mencionarem que os direitos humanos devem ser respeitados, na prática, a UE vai acatar a legislação do país exportador, então se o país tem leis específicas e estas são respeitadas, tudo bem. Mas se o país não tiver tais leis, eles não estarão protegidos pela legislação da UE”, explica Thais.

A lei valerá para empresas que comercializam soja, carne bovina, óleo de palma, madeira, borracha, cacau e café, e alguns produtos derivados como couro, chocolate e móveis. Atualmente, as pessoas na UE não têm garantia de que seus carrinhos de compras não tenham produtos de desmatamento.

Segundo John Hyland, porta-voz do Greenpeace na UE, a lei representa um grande avanço, mas ainda há muito o que se fazer para cessar a perda de florestas no mundo. 

“Essa lei vai calar algumas motosserras e impedir empresas de lucrar com o desmatamento. Mas os governos da UE deveriam ter vergonha de si mesmos por ainda deixarem brechas para suas indústrias madeireiras e dar uma proteção frágil aos direitos dos povos indígenas, que pagam com seu sangue para defender a natureza. Nos próximos anos, a UE deve ampliar seu foco para proteger a natureza como um todo, não apenas as florestas, e impedir que as empresas que destroem a natureza não apenas acessem o mercado da UE, como também obtenham empréstimos de bancos europeus”, disse. 

Brechas perigosas

Sob pressão do setor florestal europeu e do governo canadense, os governos da UE propuseram uma definição vaga de “degradação florestal” – essencialmente uma brecha que permite a continuidade do desmatamento de florestas naturais. O Parlamento Europeu também pressionou para que a lei protegesse “outras terras arborizadas”, que são tecnicamente consideradas florestas, além de outros ecossistemas, mas sem sucesso. O tema, entretanto, ainda pode ser reconsiderado em uma revisão da lei dentro de um ano ou dois.

Este ponto é especialmente relevante para o Brasil, dado que o desmatamento do Cerrado vem crescendo de maneira alarmante para dar espaço ao cultivo de commodities de alto valor comercial no mercado internacional, como soja e milho. Só este ano, de janeiro a julho, o Cerrado perdeu cerca de 2.240 hectares por dia, sendo que, somente nos sete primeiros meses do ano, foram 4.728 km² com alertas de desmatamento de vegetação nativa, alerta o sistema Deter/Inpe. 

Para o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), a nova lei pode até intensificar o desmatamento do Cerrado, agravando os riscos para as populações locais e impactando o abastecimento hídrico do país.

A proposta do Parlamento Europeu para incluir as instituições financeiras europeias na nova lei também ficou de fora do acordo final. A proposta exigiria que as empresas mostrassem que seus produtos eram livres de desmatamento não apenas para vender no mercado da UE, mas também para receber financiamento de bancos com sede na UE. Esta proposta também pode ser reconsiderada na próxima revisão da lei, assim como a inclusão de milho e biodiesel na lista de produtos abrangidos. 

Agora, o Parlamento Europeu aprovará a nova lei de desmatamento da UE em uma votação em sua sessão plenária, e os governos nacionais darão a aprovação formal durante uma reunião de ministros. Essas formalidades provavelmente ocorrerão no início do próximo ano.

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