A frase é da ativista e voluntária do Greenpeace, que sobrevoou áreas de desmatamento na Amazônia, uma experiência que fortaleceu sua luta por justiça climática

Atividade Clima e Justica em Porto Velho. Na foto, a ativista Ana Clis da Silva Ferreira durante sobrevoo na regiao da AMACRO. 15 de setembro de 2022. Foto: Bruno Kelly.

Ana Clis tem 23 anos, nasceu em Itapecerica da Serra, município da região metropolitana de São Paulo, e atualmente mora na Zona Sul. É estudante de pós-graduação em gestão de projetos e há 5 anos atua como voluntária do Greenpeace Brasil onde, junto com outras ativistas, fundou o Projeto Raízes, que leva o debate da pauta socioambiental para regiões periféricas da cidade de São Paulo. Regiões essas onde vivem pessoas que estão entre as mais impactadas pelas consequências da crise climática e que são expostas a uma sobreposição de injustiças.

Com o objetivo de conectar todo um ciclo que passa pela crise climática, as injustiças sociais e a perda de floresta (a maior contribuição do Brasil para a crise climática), Ana foi convidada pelo Greenpeace Brasil para sobrevoar áreas de desmatamento na região de Porto Velho (RO). 

Leia a seguir o relato da Ana Clis sobre essa experiência, em depoimento à Camila Doretto.

“Quando recebi o convite para sobrevoar a Amazônia, ver de perto a destruição da floresta e entender a conexão com a crise climática e a minha vida em uma região periférica da cidade de São Paulo, uma das primeiras coisas que eu pensei foi: será que eu devo ir? Me veio aquela preocupação de ser uma pessoa do Sudeste, o quanto eu poderia estar tomando o lugar de uma pessoa do Norte, diretamente impactada por tudo o que acontece ali e que até então parecia fazer mais sentido participar de um sobrevoo como esse. 

Mas dois outros pensamentos me fizeram olhar de um jeito diferente para a experiência. O primeiro foi quando eu soube que o Rui Gemaque, do grupo de voluntários do Greenpeace em Belém, iria para o sobrevoo, e ele é uma pessoa da floresta, ou seja, mais diretamente impactada. E outro pensamento foi quando me dei conta do quanto eu sofro as consequências também e que poderia sim ser importante ocupar esse espaço junto com ele. 

Se falta água todos os dias na minha casa, se o preço do alimento torna a vida ainda mais dura para mim e para quem está ao meu redor, se as pessoas que eu conheço estão tendo de escolher entre pagar a conta de luz ou comprar um alimento, e tudo isso tem a ver com a crise climática, a crise hídrica e com o desmatamento na Amazônia, então é importante eu estar lá. Eu não só estou no lugar das pessoas mais impactadas por todo esse ciclo de destruição, como faço parte do grupo que precisa ter espaço de voz garantido na construção dos caminhos que falam sobre as soluções necessárias para o enfrentamento das diversas crises que enfrentamos.

Alguns momentos me impactaram muito durante esse sobrevoo. Um deles foi quando eu vi os ramais, os caminhos feitos na floresta para a entrada dos maquinários necessários para a derrubada das árvores, mas que a gente só consegue ver de cima. Foi uma evidência nítida da ilegalidade, do crime que acontece na floresta. E outro foi o momento em que a gente passou por uma área que demarcava bem fortemente a divisão entre a conservação e a destruição. Entre a floresta como deveria ser, e como ela não deveria estar, queimada, derrubada. 

Como ativista que mora e atua nas periferias levando a pauta climática para o dia a dia das pessoas, com certeza esse foi um marco na minha trajetória como agente de transformação da realidade. 

Quando eu e a Bruna, que não está mais com a gente no projeto, resolvemos dar o pontapé inicial para o Projeto Raízes, nós entendemos que era muito importante levar essa pauta para o território onde a gente mora. Nós costumávamos pegar o transporte público para regiões muito distantes, levando cerca de uma hora e meia, duas horas para chegar e fazer uma ação em defesa da pauta socioambiental na Avenida Paulista ou uma limpeza de praia, por exemplo, enquanto que ali na nossa comunidade a gente convive diariamente com o desafio de acesso a saneamento básico, destinação de lixo, vidas ameaçadas pelas fortes chuvas, entre uma série de outros problemas. E aí nós nos demos conta de que estávamos reproduzindo uma lógica que nos distanciava do grupo das pessoas mais atingidas. 

Essa oportunidade de testemunhar o desmatamento na Amazônia, apesar de trágica, não só vai me ajudar a fazer conexões de uma nova forma com as pessoas de São Paulo, especialmente nos territórios periféricos, como já transformou relações no meu próprio convívio familiar. 

Enquanto eu voltava de Porto Velho para São Paulo, me perguntava: como eu faço para levar para as outras pessoas essa visão que esse sobrevoo me trouxe? Como eu levo isso daqui para as crianças dos bairros periféricos? Como eu levo isso daqui para os idosos? Como eu faço o meu pai acreditar nisso? Porque o meu pai não é uma pessoa extremamente politizada. Ele tem críticas ao sistema como um todo, tem ressalvas em relação à pauta ambiental. E aí eu mostrei para ele as fotos e vídeos que fiz durante o sobrevoo e ele falou: nossa, você viu de perto mesmo?! Isso realmente está acontecendo?! Então ele quis entender mais, me perguntou como isso impacta as nossas vidas e eu, do meu jeitinho, do jeitinho que ele podia entender, me abri para essa conversa.

Nós falamos sobre os eventos extremos, sobre as fortes chuvas que ameaçam a vida de quem a gente convive tão de perto, como familiares que inclusive tivemos que socorrer no último verão porque tiveram suas casas atingidas pelas fortes chuvas. Conversamos sobre a seca, que é algo que faz muito sentido para o meu pai, uma vez que ele é do Ceará e viveu isso bem de perto no passado, sobre a conexão com a natureza –  que é muito importante para ele também, sobre a fumaça que chegou em São Paulo em 2019 e o porquê de bairros como Perdizes e aqueles próximos à avenida Paulista (bairros da cidade de São Paulo repletos de morros, porém ocupados principalmente por moradores das classes média e alta) estarem mais protegidos das chuvas, enchentes e deslizamentos do que o bairro onde a gente vive. Ou seja, falamos inclusive de justiça climática.

Foi isso que a experiência me trouxe. Essa abertura. Para o meu pai, foi muito importante a filha dele ter estado lá, pois é uma pessoa em quem ele confia. E a partir daí eu abri possibilidades de um novo tipo de conversa não só com ele, mas com toda a minha família e todas as pessoas com quem vou estar daqui em diante.

A Ana que chegou em Porto Velho chegou ansiosa e com um pouco de medo. A Ana que saiu de Porto Velho aterrissou em São Paulo com a agenda de trabalho pronta para ser colocada em prática e com grandes ambições de mudança. Atuando aqui onde eu moro, eu acredito que posso mudar aqui e mudar lá (na Amazônia) também. Essa não foi uma experiência para ficar só em uma pessoa, foi uma experiência para o todo. Eu e o Rui (Gemaque) vivemos realidades muito diferentes, mas que não deixam de estar conectadas, e hoje podemos pensar juntos em como mudar o atual cenário que nos ameaça. 

Eu acredito muito na transformação local e que a partir do local se muda o todo. Se a gente trabalhar com várias populações locais, a gente daqui a pouco muda o mundo”.

Veja o vídeo resultado do sobrevoo:

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