O estudo da biodiversidade da floresta pode favorecer a descoberta de novos medicamentos, alguns já velhos conhecidos da medicina popular

Cerca de 80% da população mundial utiliza produtos inteiramente naturais para cuidados primários de saúde (Grenpeace/Piao Ri Quan)

O óleo de copaíba é uma resina retirada do interior de árvores do gênero Copaífera, que existem na Amazônia e em algumas partes do Cerrado. Se você vive nas grandes metrópoles do sul e sudeste do Brasil, é possível que nunca tenha ouvido falar dele. Mas no Norte do Brasil, não há uma casa que não possua um frasco deste óleo na caixinha de remédios. 

Isso porque, de acordo com o conhecimento popular, esse óleo pode ser usado para o tratamento de machucados, doenças inflamatórias articulares, como artrite, problemas de pele, como dermatites e micoses, infecções urinárias e respiratórias, dores musculares, espinhas e até caspa! 

De fato, pesquisas já comprovaram muitas destas e outras propriedades. Um estudo, da pesquisadora Inês Lunardi, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), mostrou que substâncias sintetizadas no laboratório a partir de componentes isolados do óleo de copaíba e do breu de pinheiro apresentaram resultados importantes contra nove linhagens de câncer e contra a tuberculose, inibindo ou matando células doentes. 

Mas transformar o conhecimento popular em remédios, destes que são vendidos em caixinhas nas farmácias e usados em hospitais, é um longo caminho, que exige muita pesquisa. 

Um levantamento realizado por pesquisadores da Universidade Anton de Kom, do Suriname, aponta que aproximadamente 80% da população mundial ainda utiliza majoritariamente produtos inteiramente naturais para cuidados primários de saúde. Apenas 20% da população tem acesso total a medicamentos industrializados. 

Urucum (Bixa orellana) ( Valdemir Cunha/Greenpeace).
Mas mesmo alguns destes remédios, produzidos por grandes fabricantes, tem como base princípios ativos derivados diretamente de plantas, o número chega a 25% do total. São medicamentos para doenças cardiovasculares, diabetes, doenças obstrutivas crônicas das vias respiratórias, além de inúmeras infecções microbianas e parasitárias, todos baseados em ativos naturais.

No estado do Amazonas, um projeto do Grupo de Pesquisa em Metabolômica e Espectrometria de Massas da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em parceria com o Instituto Gonçalo Moniz da Bahia (Fiocruz – BA), estuda se é possível produzir substâncias contra os cânceres de fígado, mama, colo do útero e sangue (leucemia) a partir de fungos filamentosos encontrados no fundo do rio Amazonas.

“A produção de medicamentos será possível se ao longo do processo de estudos as substâncias forem aprovadas nos testes pré-clínicos. Mas não basta que a molécula seja ativa, ela necessita não ser prejudicial ao restante do organismo. Isso será avaliado neste projeto de modo a fomentar o interesse de alguma indústria farmacêutica para as sínteses e estudos clínicos”, explica o coordenador do projeto, pós-doutor em Química Orgânica e professor da UEA, Héctor Koolen.

O pesquisador lembra que ainda há um longo caminho a percorrer até que o ativo esteja disponível para uso, mas que a pesquisa é fundamental para descobrir as potencialidades da biodiversidade amazônica, assim como a necessidade da conservação do ecossistema. “Vale ressaltar que o processo para que um candidato vire fármaco é custoso, e leva em média 15 anos para a aprovação final”, disse Koolen, em entrevista concedida à Fapeam.

Pesquisa e conservação são a chave para conhecer o potencial da floresta

“Pesquisas sobre a biodiversidade são cruciais, porque é a diversidade de espécies biológicas que permite a manutenção do equilíbrio climático e biológico na terra, e assim a própria sobrevivência humana. Todos os alimentos, quase todos os medicamentos e até o ar que respiramos são produtos da biodiversidade e é através do conhecimento sobre como essas espécies evoluíram e como se distribuem que podemos proporcionar a sua conservação e então o uso apropriado”, afirma Ulisses Galatti, coordenador do departamento de zoologia do Museu Paraense Emílio Goeldi.

Em 2019 o desmatamento da Amazônia atingiu o maior nível dos últimos dez anos, uma péssima notícia para a floresta, seus povos e sua biodiversidade, para o clima e para todos nós, já que podemos estar perdendo ativos naturais que jamais iremos conhecer completamente.

Em 2017, por exemplo, foi identificada no sul do Amazonas, em Lábrea, uma nova espécie de miconia (a Miconia rondoniensis), ela pertence à mesma família da planta popularmente conhecida como Canela-de-Velho (Miconia albicans), que tem conhecido potencial anti-inflamatório. Ainda não se sabe os potenciais medicinais desta nova espécie, mas só em 2019 foram desmatados 9.312 hectares de floresta na região em que ela foi observada, o que coloca sua existência sob ameaça. 

“Ao nomear a espécie nós homenageamos o estado de Rondônia para chamar atenção para o desmatamento que o estado vem sofrendo nas últimas décadas. A M. rondoniensis ocorre na região sul da Amazônia, bem no chamado arco do desmatamento.  Devido a sua área de ocorrência e os impactos que seus habitats vem sofrendo é enquadrada como ameaçada de extinção, segundo os critérios da IUCN”, explica Julia Meirelles, pesquisadora no Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), e uma das responsáveis pela identificação da espécie.

Ações humanas estão levando à extinção de espécies a um ritmo alarmante. O desaparecimento da biodiversidade global é mil vezes mais rápido do que se acontecesse naturalmente, e na Amazônia não é diferente.

Desmatamento, degradação florestal (causada pela extração predatória e ilegal de madeira), queimadas, estradas, dentre outros, são considerados vetores de perda de biodiversidade, pois ameaçam o equilíbrio do ambiente natural das espécies. Segundo o IPBES, 25% das espécies animais e vegetais conhecidas pela ciência estão ameaçadas de extinção.

A falta de investimento do Brasil na proteção da Amazônia e em pesquisa em biodiversidade e seus usos coloca em risco nosso futuro e a soberania nacional. Saiba mais sobre o projeto Protegendo o Desconhecido, lançado pelo Greenpeace Brasil, para alertar sobre os riscos à nossa biodiversidade e apoiar a pesquisa de instituições brasileiras. 

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