Saiba como a pior seca das últimas seis décadas castigou a vida dos ribeirinhos de Rondônia

Em 2023, o rio Madeira chegou a 1,20 metro, o índice mais baixo das últimas seis décadas © Marizilda Cruppe / Greenpeace

Porto Velho (RO) – “A gente fica sem entender o que acontece com a natureza, sabe? Tem que botar nas mãos de Deus. Dá uma tristeza ver as coisas se acabando… o rio Madeira tinha praias lindas, com gaivotas colocando ovo na areia, peixe na beira. Hoje não tem nada nada nada. Tá tudo virando tipo um deserto, com água muito quente, clima muito quente”. É dessa maneira que o prático José Maria Nogueira, 51, define o que aconteceu recentemente com o rio Madeira

O Madeira é um dos principais rios do Brasil e o mais longo e importante afluente do rio Amazonas. Sua bacia hidrográfica é enorme, com 125 milhões de hectares, segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). O Madeira banha três países: Brasil, Bolívia e Peru e, além da importância socioambiental, possui imensa relevância econômica, pois possibilita a pesca, o transporte hidroviário e o plantio de diversos produtos em suas margens. Ele possui mais de 1,3 mil quilômetros navegáveis, fazendo dele um grande canal de integração e comércio do Norte do Brasil. 

Este rio, tão importante para os amazônidas, não passou incólume pela crise climática que estamos enfrentando: nas últimas semanas, ele passou pela maior seca das últimas seis décadas. O cenário por lá é muito similar ao visto em diversos outros pontos da Amazônia: onde antes havia um rio caudaloso – segundo a ANA, o Madeira chega a aumentar sua largura em dez vezes durante os períodos mais cheios – agora é um trajeto marcado por terra nua, chão de terra batida e diversos barcos, voadeiras e casas atolados em lama e areia.

O prático José Maria Nogueira: “O rio Madeira tinha praias lindas, com gaivotas colocando ovo na areia, peixe na beira. Hoje não tem nada nada nada” © Marizilda Cruppe / Greenpeace

Instabilidade

Em seu pior momento – no dia 10 de outubro, quando chegou a 1,20 metro – o Madeira fez com que diversas comunidades enfrentassem problemas de abastecimento, tivessem dificuldades para escoar produtos e obter água potável. Até então, o índice mais baixo registrado pelo rio ocorreu ano passado, quando chegou a 1,43 metro. Com muita instabilidade, o rio continuou baixo por muito tempo, subiu um pouco e semana passada voltou para 1,20 metro. Desde então, voltou a subir com constância, e nesta quarta (8) registrou 3,08 metros.

As operações na Usina de Santo Antônio, a quarta maior hidrelétrica do Brasil, ficaram duas semanas paralisadas por conta da baixa vazão do rio. A falta de água chegou às casas da população de Porto Velho – em bairros das zonas Sul e Leste da capital, como Marcos Freire, Ronaldo Aragão e Ulisses Guimarães, a vazão não tem sido suficiente para encher as caixas d’águas das residências.

Diversas embarcações interromperam ou reduziram suas atividades por conta das dificuldades de navegação. Em outro ponto do Madeira – ao Norte, mais próximo de Manaus – grandes navios cargueiros pararam de trafegar, prejudicando a entrada e saída de insumos e mercadorias do Pólo Industrial de Manaus. Recentemente, o governo federal deu início à dragagem da região conhecida como Tabocal. A expectativa é que o tráfego fluvial seja normalizado naquela área apenas no final de dezembro.    

A hidrelétrica de Santo Antônio, a 4ª maior do País, ficou duas semanas parada por conta da baixa vazão do Madeira © Marizilda Cruppe / Greenpeace

Dificuldade de transporte

A constância dos eventos climáticos extremos por ali também assusta: em 2014, o Madeira passou pela maior cheia dos últimos 300 anos, atingindo a marca de 19,74 metros. O impacto de tudo isso sob a diversidade ainda é desconhecido e carece de estudos mais aprofundados.

Quem mais sofre, como sempre, são as populações tradicionais e comunidades que moram à beira do rio, que passam a ter que andar mais para conseguir água, relatam dificuldades para se alimentar (na época da seca os peixes somem do que sobrou dos leitos dos rios) e têm mais dificuldades para chegar às cidades, seja para retirar benefícios sociais ou escoar a produção, como banana e melancia.

Navegação mais demorada

José Maria Nogueira, prático do barco chamado OGP II, faz a rota Porto Velho-Manicoré toda semana, saindo de Rondônia rumo ao Sul do Amazonas. Ele conta que, por conta da estiagem, a embarcação navega com metade de sua lotação e metade de sua capacidade de carga – atualmente, o OGP II cruza o Madeira com 200 passageiros e 200 toneladas.

Um andar inteiro do barco fica vazio, sem redes, malas e fardos comumente encontrados nesses veículos, como arroz, farinha e feijão. A navegação também ficou mais demorada: agora são necessárias seis horas a mais para chegar na cidade amazonense.

“Desde o final de julho ficou mais difícil conduzir por aqui. A gente precisa andar mais devagar, tem que manobrar mais para desviar dos bancos de areia e das praias que vão aparecendo. Essa seca tá muito grave”, explicou Nogueira. 

O navegador contou que todos ficaram assustados com a velocidade com que o rio Madeira desceu em 2023. “Foi tudo muito rápido, ele desceu de uma vez. Tem trechos que a gente navegava que dava de oito metros, mas agora a gente mete a régua e vê que tão com dois, dois metros e meio. As coisas estão se complicando cada vez mais no rio. A gente que é ribeirinho, a gente que navega é quem sabe”, disse José Maria.

O condutor José Ribamar da Penha e sua companheira, Maria Dinaires: ” “As pessoas estão com dificuldade pra tirar água. Não dá pra lavar roupa, nem vender a produção. Ficou tudo muito difícil” © Marizilda Cruppe / Greenpeace

Água suja

Proprietário do flutuante Beira Rio, o condutor José Ribamar da Penha, 55, contou que a seca de 2023 tem prejudicado de maneira muito séria as comunidades que vivem às margens do Madeira e longe da capital rondoniense.

“O grande problema das comunidades aqui tem sido a falta de água. Muita gente ficou sem ter o que beber depois que o rio baixou. Tem gente que tem poço que secou e tem gente que começou a tirar água suja do poço”, disse José Ribamar, que trabalha conduzindo ribeirinhos dessas comunidades para Porto Velho. 

Segundo ele, as famílias que moram em comunidades como Nazaré, Terra Caída e Demarcação têm sido bastante prejudicadas. Para que as pessoas saiam de lá e cheguem à Porto Velho, são cerca de 3 a 4 horas de viagem: “As pessoas estão com dificuldade pra tirar água, tem que andar muito pra arranjar um pouco. Não dá pra lavar roupa, nem vender a produção. Ficou tudo muito difícil”.   

Seca histórica

Morador da região do Médio Madeira, no município de Manicoré, no Amazonas, o líder comunitário Reginaldo Freitas faz coro às queixas dos rondonienses: “Tá sofrido, sim. Tá muito quente, né? A gente tem que lidar com essa quentura toda. Como a gente não tem energia 24 horas, as pessoas sofrem para armazenar os alimentos. Tem que salgar o peixe, a carne, deixar tudo no sal. A gente não tem como tomar água gelada, por exemplo. Quem sofre mais são os nossos idosos, eles sofrem bastante com tudo isso”. Reginaldo preside a Associação dos Moradores da Reserva Extrativista do Lago do Capanã Grande. 

A região Amazônica está vivendo uma seca histórica, que mostra a gravidade dos eventos climáticos extremos. E milhares de pessoas estão sentindo os efeitos deste desastre na pele. Por isso, o Greenpeace retomou a campanha Asas da Emergência, que já levou 50 toneladas de alimentos e outros itens essenciais para as comunidades mais afetadas. Agora, precisamos do seu apoio para chegar mais longe. Por favor, clique aqui e faça uma doação emergencial!

Com a seca histórica de 2023, enormes bancos de areia e nuvens espessas de fumaça passaram a fazer parte da paisagem amazônica © Marizilda Cruppe / Greenpeace

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