Especial Dia das Mães – Conheça relatos de mães brasileiras que encaram um triplo desafio: os impactos da pandemia, o descaso do governo e o fantasma da fome

Mães solteiras e chefes-de-família foram as mais beneficiadas pela ação. Foto: Andresa Costa / Levante Popular da Juventude

Com colaboração da CUFA Pará e Levante Popular da Juventude

*Os nomes das entrevistadas foram alterados por motivos de proteção

Presente bom de Dia das Mães é ver seus filhos bem alimentados. Mas neste domingo (9), muitas mães vão ter que abrir mão do próprio prato de comida para alimentar suas crianças, e outras tantas não vão ter nem o que oferecer. “Tem criança que não sabe esperar. Quando começa a chorar, tem que dar alguma coisa”.

A situação por qual Julia* passa é mais comum do que muitos pensam. Atualmente, mais de 55% dos lares brasileiros vivem com algum nível de insegurança alimentar, isto é, quando uma família tem acesso parcial ou nenhum à comida.

Em Belém do Pará, em frente ao posto de distribuição de alimentos agroecológicos da Campanha “Comida para quem precisa de comida de verdade”, uma parceria entre Greenpeace, Movimento Sem-Terra (MST), Central Única das Favelas (CUFA) e Rede Maniva, Júlia recebe sua cesta básica com alimentos saudáveis e a certeza de que terá alimentação pelo próximo mês.

“Eu já passei e passo por isso. Tem gente que não tem às vezes nem um pão, nem um ovo para botar na mesa. Então a gente sai diariamente, mas não encontra nada. Há muita família que precisa de pelo menos um arroz, um pão, qualquer coisa é bem-vinda”, diz a esposa e mãe de 34 anos e moradora do bairro Recanto Verde, na capital paraense.

Desde março, a campanha “Comida para quem precisa de comida de verdade” está distribuindo mais de doze toneladas de alimentos agroecológicos produzidos por famílias de agricultores para famílias periféricas, em situação de vulnerabilidade e fome. Até o fim da primeira semana de maio, mais de 700 famílias já haviam sido beneficiadas, em torno de 3.000 pessoas. As doações já aconteceram em Fortaleza (CE), Recife (PE), Manaus (AM), Maceió (AL), Porto Velho (RO), Campina Grande (PB), Teresina (PI), Belém (PA) e na região do Bico do Papagaio (TO). A maior parte das famílias beneficiadas são monoparentais, com mães solteiras como chefes de família, que são as mais sujeitas ao risco da fome, mais responsáveis em aproveitar bem os alimentos e solidárias em compartilhar o pouco que têm. Também entrou na lista de beneficiárias famílias de artistas circenses de Alagoas.

A pandemia da fome

Com a pandemia de COVID-19 no Brasil, o cenário da fome piorou ainda mais. O país, que segue líder mundial nas exportações de commodities agropecuárias, chegou a 116,8 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar. Dessas, mais de 19 milhões estão passando fome nesse momento.

Enquanto o agronegócio segue destruindo a natureza para produzir commodities, brasileiras e brasileiros passam fome e dependem de coletar sobras. Acima: Marizilda Cruppe/Greenpeace. Abaixo: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Com 55 anos e mãe, Carla* está nessa situação. “Ano passado eu ainda trabalhei. Mas este ano já não estou trabalhando porque tive que largar meu emprego para ficar com a minha irmã, que teve COVID. Infelizmente ela veio a falecer, está fazendo 17 dias.” 

A própria Carla foi infectada pelo novo coronavírus. “A gente luta para sobreviver de todas as formas”. Como ela largou o emprego para ajudar a irmã, Carla conta que a ajuda veio no momento certo. “Estou precisando, porque realmente não tenho da onde tirar o meu sustento no momento. Eu agradeço a Deus e a essas pessoas que estão nos ajudando.”

A campanha “Comida para quem precisa de comida de verdade” é uma ação que leva comida para quem realmente precisa – mas não para aí. Além de fornecer alimento a quem tem fome, a campanha fortalece a produção agroecológica de famílias de agricultores como solução para a insegurança alimentar e risco de perda de soberania alimentar no Brasil, além de cobrar a responsabilidade do Poder Público.

“De famílias agricultoras para famílias periféricas com apoio financeiro da sociedade civil . Este é o alicerce desta campanha. São famílias de pequenos agricultores que lutam pelo direito de ter um pedaço de terra para viver e produzir de maneira agroecológica, respeitando a natureza e a vida. Queremos reforçar a importância de os consumidores escolherem a agricultura familiar para incentivar esse modelo de produção que pode acabar com a fome no Brasil, preservar o meio ambiente e a nossa saúde”, defende Pamela Gopi, estrategista da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil.

Moradora de Campina Grande, na Paraíba, carrega doação de alimentos para casa. Foto: Andresa Costa / Levante Popular da Juventude

Agradecendo a solidariedade

Se considerarmos que cada família tem em média quatro pessoas, no total, mais de 2,8 mil indivíduos garantiram sua alimentação para o próximo mês graças à produção de famílias assentadas do MST, além dos esforços da CUFA e Rede Maniva para identificação das famílias e distribuição. 

Os alimentos vêm de famílias que adotam o modelo agroecológico de produção, ou seja, que não usa agrotóxicos e respeita a natureza. É comida sem veneno na mesa de quem mais precisa.

“A ação tem ajudado várias famílias. Nós esperamos que cresça mais. Que as pessoas possam se solidarizar com essas famílias, ajudando com doações. Aquele que sente dever em seu coração de ajudar esse trabalho, esse projeto, que ajude. Este é um projeto sério”. Flávia*, mãe solteira e chefe de família, é moradora de comunidade beneficiada em Belém.

“A gente tem visto acontecer coisas que têm ficado só no papel. Mas essas organizações vão atrás. São pessoas sérias. Pessoas que estão fazendo a diferença. Onde muitos não querem ir, eles estão indo. Não é só alimento não. Mas vem também com uma palavra de conforto e isso tem trazido esperança para as famílias”, diz Flávia.

Arroz, feijão, farinha branca e de mandioca, legumes, frutas, café, açúcar mascavo, sal, entre outros alimentos são oferecidos. Foto: Andresa Costa/Levante Popular da Juventude

Com as pessoas sentindo na pele a inação dos gestores públicos, é preciso cobrar a responsabilidade do Poder Público, independente da esfera de atuação, de promover políticas que democratizam o acesso a alimentos saudáveis para todas as pessoas do país. 

“Para o Greenpeace e seus parceiros, é preciso combater a fome com políticas que promovam a agroecologia e a agricultura familiar. Precisamos dar nome aos bois e responsabilizar todos aqueles que podem virar a mesa da fome no Brasil”, conclui Pamela Gopi.

A campanha “Comida para quem precisa de comida de verdade” é financiada por doações únicas, mensais e anuais, sendo as doações únicas destinadas exclusivamente para a distribuição de alimentos agroecológicos para pessoas em situação de vulnerabilidade. 

Fome no Brasil: chegou a hora de doar para quem precisa. Em maio de 2021, o Greenpeace Brasil e organizações parceiras iniciaram a campanha “Comida para quem precisa de comida de verdade” com o objetivo de doar e promover alimentos agroecológicos. Na primeira fase da campanha foram entregues mais de 14 mil quilos de alimentos, ajudando mais de 800 famílias. Mas, infelizmente, a realidade continua sendo intragável e essa corrente do bem precisa continuar. Clique aqui e participe!

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