Por unanimidade, Supremo Tribunal Federal reafirma lei que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos e que teve origem na luta de um ativista cearense

Do Sertão ao Supremo: vitória da saúde pública e do meio ambiente!

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, manter a lei Zé Maria do Tomé, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará, também conhecida como “chuva de veneno” — a norma leva o nome de um camponês assassinado por combater o uso dessas substâncias tóxicas.

Desde 2019, o Ceará é o único estado brasileiro que conseguiu banir a pulverização aérea de agrotóxicos. Mas, no mesmo ano, essa conquista foi questionada pelos ruralistas da Confederação de Agricultura do Brasil (CNA).

Finalmente, quatro anos depois, o STF bateu o martelo na última sexta-feira (26/05): com 10 votos a 0, todos os ministros votaram a favor do bem comum e contra a chuva de veneno. Agora, a decisão pode ser replicada em mais 10 estados.

“O Ceará conseguiu uma conquista imensa para seu povo e é um exemplo para todo o Brasil”, afirma Marina Lacorte, porta-voz do Greenpeace Brasil. Ao proibir essa prática damos um passo histórico na garantia da saúde pública, soberania alimentar e conservação ambiental “.

Essa proibição beneficia, inclusive, a própria agricultura. Assim que baniu a chuva de veneno, o Ceará teve um aumento nas produções, nas exportações e na renda gerada pelas plantações de banana, principalmente na Chapada do Apodi (CE) — antes, os cultivos de banana eram o que mais recebiam aviões para despejar agrotóxicos.

Nota em defesa da Lei Zé Maria do Tomé encaminhada ao STF

Lei Zé Maria proíbe chuva de veneno

Morador da Chapada do Apodi, em meio ao semiárido e a Caatinga cearense, Zé Maria foi um dos primeiros em sua região a perceber e denunciar os prejuízos causados pelos agrotóxicos, promovendo debates e soluções com foco na saúde. 

Mas, no país em que mais mata ativistas ambientais, infelizmente o destino de Zé Maria não foi diferente: ele foi assassinado com mais de 20 tiros em plena luz do dia e perto de sua casa na comunidade do Tomé, em Limoeiro do Norte (CE), no dia 21 de abril de 2010. Em maio de 2023, o Greenpeace visitou o local.

Foi a morte do agricultor Zé Maria do Tomé que deu vida à primeira lei brasileira contra a pulverização aérea de agrotóxicos.

Memorial em homenagem à Zé Maria do Tomé, ativista e camponês assassinado em 21 de abril de 2010, na Chapada do Apodi (CE), por combater e denunciar os impactos dos agrotóxicos. © Nilmar Lage / Greenpeace

“Quando dão tantos tiros, estão dando um recado. Então percebemos que ou a gente se unificava, ou teria mais mortes, explica Reginaldo Ferreira, membro do Movimento 21 (M21), uma articulação criada por organizações da sociedade civil e da acadêmica após o assassinato de Zé Maria para dar seguimento à batalha contra os agrotóxicos. 

“Ele sabia que corria riscos, mas dizia que se continuassem com a luta dele, ele seria feliz”, conclui Reginaldo.

Violências e vítimas dos agrotóxicos

Berço da lei contra a pulverização aérea, a Chapada do Apodi é também um polo do agronegócio, com altos índices de uso de agrotóxicos e de conflitos no campo. Além de abrigar centenas de trabalhadores rurais e de exportar frutas para o mundo inteiro. 

“Meu pai foi pioneiro. Ele percebeu os impactos dos agrotóxicos nas questões de saúde e começou a fazer intervenções para entender o motivo. Foi uma luta muito árdua”, conta Márcia Xavier, filha de Zé Maria. 

Marcia Xavier é diretora do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador e Ambiente (CERESTA) de Limoeira do Norte (CE) e filha de Zé Maria do Tomé, ativista morto em 2010 por denunciar e combater os uso de agrotóxicos. © Nilmar Lage / Greenpeace

Hoje, sou vítima três vezes dos agrotóxicos: primeiro, porque quando era criança tive problemas de pele (e foi por isso que seu pai começou a lutar); segundo, porque meu pai foi morto por combater esses venenos; e terceiro porque minha filha tem puberdade precoce – com 1 ano e 3 meses, ela começou a desenvolver mamas por conta da contaminação de agrotóxicos”, relata Márcia.

Em 2017, um estudo da Universidade do Ceará (UFC) constatou casos de malformações congênitas e puberdades precoces na Chapada do Apodi por agrotóxicos. Também na região do baixo Jaguaribe, a taxa de mortalidade por câncer é 38% maior quando comparada ao restante do Ceará.  

Outra vítima emblemática da contaminação por agrotóxicos é Vanderlei Matos, trabalhador rural morto em 2008 por exposição crônica, também na Chapada do Apodi. Por mais de três anos, ele ficou estocando, pesando e transportando agrotóxicos na fazenda da multinacional Del Monte Fresh Produce.

Dez anos depois, em uma decisão inédita na justiça, a viúva de Vanderlei ganhou o processo e a empresa foi condenada pela morte por agrotóxicos

A multinacional norte-americana Del Monte foi condenada em 2018 pela morte por agrotóxicos do trabalhador rural Vanderlei Matos, que trabalhou por mais de três em uma fazenda da empresa manuseando essas substâncias tóxicas em Limoeiro do Norte (CE). © Nilmar Lage / Greenpeace

Agronegócio X Agricultura Familiar

A Chapada do Apodi fica no Vale do Jaguaribe — mais precisamente, no Baixo Jaguaribe —, uma região que vem recebendo, desde os anos 90, recursos e investimentos do governo cearense para impulsionar o agronegócio. 

Por estar sob o Rio Jaguaribe, o maior e mais importante rio do Ceará, empresas agrícolas se instalaram atraídas principalmente pela captação de água em detrimento das comunidades e dos ecossistemas. Hoje, o Vale do Jaguaribe é destaque em fruticultura irrigada no Brasil, e também produz algodão e soja.

Apesar do avanço do agronegócio, todo o Vale do Jaguaribe é referência de resistência popular, abrigando mais de 24 mil assentamentos da agricultura familiar que enfrentam conflitos por terra, escassez de água e uso intensivo de agrotóxicos.

As famílias agricultoras lutam por uma produção de alimentos mais justa e saudável, a exemplo do projeto “Meu Quintal em Sua Cesta”, da Comunidade que Sustenta Agricultura (CSA), que fortalece a agroecologia apoiando a produção e a comercialização de cultivos sem veneno.    

Do local ao nacional

Desde 2009, a pulverização aérea é proibida na União Europeia devido ao seu potencial de “prejudicar significativamente a saúde humana e o ambiente”. Além dos danos socioambientais, esse método nem é eficaz para a agricultura: 70% dos agrotóxicos aplicados por avião não atingem o alvo, aponta nota técnica da Fiocruz. 

Agora, a meta é aplicar esse triunfo do povo cearense para o resto do Brasil. Que a lei Zé Maria seja de todo o país, quiçá de toda América Latina, aspira Reginaldo Ferreira e nós também.

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