Agravada pelas mudanças climáticas, a seca extrema na Região Norte do Brasil impacta populações vulnerabilizadas e expõe a falta de ações de adaptação climática nas cidades

Em setembro de 2024, o Greenpeace Brasil foi até a região de Tefé (AM) para documentar os impactos da seca extrema que atinge a região. Na foto um dos trechos do Rio Solimões. (© Christian Braga / Greenpeace)

Em 2023, a Região Norte do Brasil enfrentou secas severas que impactou a rotina de diversas populações. Em 2024, pelo segundo ano consecutivo, a seca extrema afeta os estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Pará e Tocantins e, especialmente, quilombolas, indígenas, populações ribeirinhas, pescadores e pescadoras, populações pretas e periféricas e também pequenos agricultores. É inédito ter duas secas dessa proporção na Amazônia. E no Brasil como um todo a proporção desta seca não era vista desde 1950.  Os rios amazônicos conhecidos pelos seus encantos e dimensões de perder a vista, têm se transformado em enormes bancos de areia formando um cenário desolador e preocupante. 

Até agora, o Amazonas foi o estado mais afetado, com 98% do seu território em situação de seca, incluindo áreas com seca extrema, o que levou à declaração de emergência em todos os municípios. Até os maioress rios como o Rio Solimões e o Rio Negro atingiram níveis historicamente baixos, impactando a navegação e o abastecimento nas comunidades ribeirinhas. O Acre também registrou seca em todo o seu território, com níveis de gravidade crescentes. Rondônia e Tocantins também enfrentam secas intensas, com todo o território afetado, causando uma crise de abastecimento de água e alimento. E recentemente, no Pará, o governador decretou situação de emergência ambiental em razão do aumento do número de incêndios e da estiagem que afeta várias regiões do estado. 

Causas

Alguns cientistas e órgãos governamentais já afirmam que a atual seca é ainda maior do que a registrada no ano passado. As secas extremas que estamos testemunhando são efeitos das mudanças climáticas, agravadas pelo El Niño, que ganhou força em um ambiente que já está mais quente e se estendeu até o primeiro semestre deste ano. 

No Brasil, os eventos climáticos extremos têm se agravado em frequência, intensidade e abrangência. E as principais atividades que contribuem para isso são o desmatamento e as queimadas ilegais. A combinação perigosa entre queimadas e fumaça nessas localidades torna a situação ainda mais alarmante. Além disso, a baixa formação de gelo nos Andes tropicais impacta o ciclo de inundação dos rios, já que seu degelo é fundamental para esse processo na bacia do Rio Solimões, por exemplo.

O mapa mostra a localização de algumas das estações de medição do nível do rio na bacia do rio Amazonas nos estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Pará e Roraima. Mostra também a situação do nível do rio em cada estação, se atingiu a mínima histórica, se está abaixo da normalidade ou se está normal para o período. Nas estações mais a oeste do rio Solimões e seus afluentes já foram atingidos as mínimas históricas. Percorrendo o Solimões na direção do seu fluxo as estações estão abaixo da normalidade para o período. Notando que a seca segue essa distribuição espacial e temporal, ela atinge as regiões mais a sudoeste primeiro e vai se agravando na direção leste ao longo do tempo. No rio Negro observa-se também as estações com níveis abaixo da normalidade. Os afluentes da margem sul do rio Amazonas no Pará também já atingiram as mínimas históricas.
Mapa ilustrativo com as estações de monitoramento do nível dos rios amazônicos, elaborado pelo Greenpeace Brasil com base nos dados disponibilizados em setembro de 2024.

Quem acaba pagando a conta?

Costuma-se dizer que os rios são as rodovias da Amazônia. Eles são fonte de água, de alimento, meios de transporte e de vida. Então, quando os rios secam de forma extrema, as pessoas ficam isoladas, sem acesso a comida e água, a atendimento médico, a escolas e até mesmo a suas famílias. As secas impactam inclusive no exercício da democracia. Nestas eleições municipais de 2024, em torno de 100 mil famílias não poderão votar por falta de acesso às suas zonas eleitorais.

As populações vulnerabilizadas (quilombolas, indígenas, populações ribeirinhas, pescadores e pescadoras, populações pretas e periféricas e também pequenos agricultores) são as primeiras a sofrer as consequências da seca e estiagens dos rios no norte do país e as mais afetadas pelos eventos climáticos extremos, mas são justamente as que menos contribuíram para essa emergência climática e que menos recebem apoio. Por outro lado, são estas mesmas populações que estão na frente quando se trata de soluções por meio de tecnologias sociais para enfrentar a crise climática. 

A seca impactou a locomoção de milhares de pessoas de comunidades tradicionais, como ribeirinhos. Agora eles precisam utilizar motos, na maioria das vezes, para se deslocarem entre localidades e trechos secos, gerando aumento de gastos na renda familiar. (© Christian Braga / Greenpeace) Foto: © Christian Braga / Greenpeace.

De quem é a responsabilidade diante dos impactos dos eventos climáticos extremos?

O governo federal tem sua responsabilidade perante os impactos dos eventos extremos na vida das populações, tanto dos desastres das chuvas como o que vimos neste ano no Rio Grande do Sul, como das secas e estiagens que agora atingem o norte do país. Apesar de possuir instrumentos normativos de planejamento previstos no Plano Nacional Sobre Mudança do Clima e Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, a execução e implementação das ações não têm sido efetivas e céleres. Em outro plano, o governo federal continua apostando na produção de energia de combustíveis fósseis, investindo em termelétricas, mesmo que a produção resulte em altos custos para os cofres públicos e num impacto ambiental ainda maior. 

Além disso, os governos estaduais não têm dado a devida importância para as previsibilidades dos órgãos de monitoramento da seca e estiagens e não tem garantido para a população ações de prevenção, somente ações de resposta emergencial e ajuda humanitária no momento mais agudo do desastre. Mas onde estão as políticas e os recursos necessários para atuação em médio e longo prazo, sabendo que muitos dos episódios de seca, estiagem, fumaça e queimada já são previstos? Os eventos climáticos extremos estão se tornando cada vez mais intensos e frequentes, as autoridades não podem esperar os desastres acontecerem para tomar as medidas necessárias para atender as cidades e populações.

Esse ano, uma equipe do Greenpeace Brasil voltou ao município de Tefé (AM) para ouvir as populações impactadas, de novo, pela seca extrema que chegou mais cedo. Em breve, você poderá acompanhar as histórias contadas diante de mais um evento extremo. Enquanto isso, temos um chamado a você! É urgente que os governos e legisladores tenham planos de adaptação aos eventos climáticos extremos, elaborados e implementados, que possam zelar pela vida das populações. Em especial, das populações vulnerabilizadas, mais expostas aos impactos dos eventos extremos causados pela crise climática. 

No estado do Amazonas, já existe uma lei (6.528/23) com diretrizes para criação de planos de adaptação às mudanças climáticas para apoiar os municípios no enfrentamento da crise do clima. Ela foi, inclusive, sancionada pelo governador Wilson Lima (União Brasil) e deveria ter sido implementada até o dia 20 de junho de 2024. Mas a lei segue só no papel. É atribuição do governo do estado elaborar os planos de adaptação e destinar dinheiro para que as medidas sejam implementadas pelas cidades e, isso se traduz em prepará-las. Assim, elas podem se preparar para enfrentar os eventos climáticos extremos. Não tem como falar em crise do clima sem falar de justiça social!

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