Pesquisa realizada pelo IEPA mostra alcance transfronteiriço de eventual derramamento de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas

O veleiro Witness, do Greenpeace, fez parte da Expedição Costa Amazônica Viva, em março deste ano
© Enrico Marone/Greenpeace


Guiana Francesa, Suriname, Guiana e, possivelmente, águas caribenhas. Esses são alguns dos destinos de possíveis derramamentos de óleo de projetos de exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas. São centenas de quilômetros de contaminação dos mares, regiões costeiras e potenciais impactos irreversíveis à vida marinha.

As informações são de estudo realizado pelo IEPA (Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá) ao longo do mês de março durante a expedição Costa Amazônica Viva.

Os dados sobre as correntes de superfície da região, marinhas e costeiras, que permitem ampliar o conhecimento sobre a dinâmica das águas e possíveis caminhos de manchas de óleo, foram coletados por  meio de sete derivadores (equipamentos oceanográficos com GPS) lançados em diferentes pontos da Bacia da Foz do Amazonas, alvo da indústria petrolífera. 

Os derivadores acumularam dados de hora em hora e permitiram uma maior compreensão sobre a hidrodinâmica da Bacia da Foz do Amazonas, que ainda não é suficientemente conhecida para que se avaliem os riscos de projetos de alto impacto, e apresenta grande influência  do regime de maré e dos fortes ventos da região.

Segundo Luís Takiyama, pesquisador do IEPA responsável pelo estudo, o trabalho contribuiu para elucidar alguns aspectos do comportamento das correntes superficiais na Bacia da Foz do Amazonas, em especial nas áreas próximas à zona costeira, onde estão as principais lacunas de dados primários.

“Dada a alta sensibilidade dos ambientes costeiros é importante verificar se há a possibilidade de algum óleo derramado chegar à costa amazônica, seja no Brasil ou em outros países vizinhos. Entretanto, há de se considerar também o transporte de óleo e derivados e a atividade de exploração e produção de petróleo em toda a Margem Equatorial, as quais apresentam riscos de um possível derramamento afetar as áreas costeiras do sistema de dispersão amazônico”, explica.

Das sete “boias com GPS” lançadas ao mar, por exemplo, cinco atravessaram a fronteira brasileira em um curto intervalo de tempo. Marcelo Laterman, coordenador na frente de Oceanos, explica que essas movimentações representam uma grave ameaça ambiental aos países da Pan-Amazônia, aos seus povos, e com eventuais impasses diplomáticos e operacionais.

“A Bacia da Foz do Amazonas tem correntes marinhas e costeiras muito fortes cujas dinâmicas são pouco conhecidas pela ciência. Exemplo disso é o histórico de 95 perfurações em águas rasas na região, a maioria pela Petrobras, que contabilizaram 27 acidentes mecânicos e nenhum poço bem sucedido. Hoje a ameaça é ainda maior, mas as incertezas são as mesmas”, afirma Marcelo Laterman, coordenador da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil.

O porta-voz destaca que a bacia conta com um total de 213 blocos exploratórios entre os já concedidos, em oferta e em estudo. “Uma verdadeira bomba de carbono para atmosfera e, potencialmente, de vazamentos de petróleo para os mares, a costa, os recifes, os manguezais, as populações amazônicas”.

Os derivadores foram lançados em sete pontos da Bacia da Foz do Amazonas e receberam o nome de sete espécies da região (Foto: Enrico Marone/Greenpeace)

 E o Brasil?

Já os outros dois derivadores, lançados mais próximos à zona costeira e em águas rasas, tocaram a costa do Amapá e do Pará. Esses deslocamentos trazem um alerta sobre como a expansão de petróleo na Margem Equatorial brasileira pode trazer consequências graves para a biodiversidade local.

“Mesmo com a descarga do rio Amazonas aumentando (mês de março), os derivadores trafegaram em direção à costa, indicando que se o óleo chegar em áreas rasas existe risco de o mesmo atingir as áreas litorâneas”, detalha Luís Takiyama.

O pesquisador do IEPA também reitera que devido ao limitado número de estudos na Bacia da Foz do Amazonas, é preciso “aumentar o esforço de pesquisa e monitoramento em todas as áreas do conhecimento para melhor entendimento das dinâmicas (físicas, químicas, geológicas e biológicas), para assim melhor prevermos os riscos e vulnerabilidades associadas às atividades que ocorrem na Bacia.”

DETALHANDO A ROTA

Os derivadores foram nomeados em homenagem a sete espécies da costa amazônica. No início da Expedição questionamos: onde essa maré vai dar? Corre aqui e vem checar onde essa maré chegou! 


Tartaruga Marinha

O derivador Tartaruga Marinha foi lançado sobre o bloco FZA-M-59, principal aposta da Petrobras para o início da atividade exploratória na Bacia da Foz do Amazonas. Em pouco mais de um dia, precisamente 26h, já havia atravessado a fronteira com a Guiana Francesa.

Considerando que o caminho percorrido pelo derivador simula também a locomoção de uma mancha de óleo, o tempo de cruzamento com a fronteira é preocupante. Ainda mais considerando que segundo o Plano de Emergência apresentado pela Petrobras, a base de resposta designada para um eventual acidente está localizada em Belém/PA a 830 km do local. 

Seria preciso um período de 43h a 48h para que o socorro da estatal chegasse à região quando, devido às altas velocidades de dispersão, o óleo já teria chegado a áreas distantes do bloco de exploração, no caso, em águas francesas.

O equipamento seguiu em direção às águas internacionais e se deslocou por mais de mil quilômetros.

Boto

O derivador Boto, por sua vez, foi lançado no bloco FZA-M-86, ao norte da Bacia da Foz do Amazonas, e cruzou a fronteira da Guiana Francesa ainda mais rápido: em somente 16h, 52 km foram percorridos até lá. O bloco em questão também está concedido para a Petrobras.

Ele já passou por águas caribenhas e seguiu em águas internacionais.

Guará-Vermelho

Lançado a 100 km do Parque Nacional Cabo Orange, na costa do estado do Amapá, ainda na Plataforma Continental Externa, o derivador Guará-Vermelho cruzou a fronteira com a Guiana Francesa em apenas 19h. As águas o levaram por 43 km neste curto espaço de tempo. Essa distância é mais de 7 vezes a extensão do Encontro das Águas, do Rio Negro e Solimões, de ponta a ponta.

Após 13 dias derivando por 854 km, o derivador chegou a Ilha Legan, Essequibo, na Guiana.

Pargo

O ponto de lançamento do Pargo também foi próximo aos sistemas recifais do Amazonas. O derivador encalhou na costa de Sinnamary, na Guiana Francesa. Em 9 dias percorreu  557 km. Quase 7 vezes o tamanho da orla da cidade do Rio de Janeiro, de ponta a ponta.

Boa parte do litoral da Guiana Francesa é coberto por manguezais, o que inviabiliza uma ação protetiva estruturada. É válido lembrar que o próprio país não explora petróleo em suas águas e que os impactos ao meio ambiente não reconhecem fronteiras.

Comunidades indígenas e pesqueiras da Guiana Francesa já manifestaram preocupação em relação aos impactos do petróleo brasileiro em seus modos de vida, denunciando também que nunca foram consultados ou informados sobre o projeto.

A biodiversidade marinha é base de subsistência e renda para os povos da costa do país, o que significa que um

Pescada amarela

Já o derivador Pescada Amarela foi ainda mais longe: após 9 dias em alto-mar, chegou até a costa do Parque Nacional Wia-Wia, no Suriname. 

Ainda que uma vez derramado no oceano o óleo tenha alterações em sua composição em razão dos sedimentos presentes na água e da oxidação, entre outros fatores, processo conhecido como intemperismo, o deslocamento do equipamento oceanográfico mostra a possibilidade de um resíduo mais denso e viscoso chegar até o Suriname ou outras áreas por meio de correntes mais profundas. 

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o derramamento de óleo na costa do Nordeste brasileiro em 2019, onde resíduos do vazamento ressurgiram em outras regiões, despreparadas para este tipo de situação, dificultando a contenção do material.

Peixe-boi

Este derivador foi lançado em águas mais rasas e costeiras da Bacia da Foz do Amazonas. Em 10 dias, após 800 km de deslocamento, chegou até a APA do Arquipélago do Marajó.

Muitos imaginam que o rio ‘corre para fora’ e que as correntes ‘expulsariam’ o derivador para fora, mas não foi isso que aconteceu. Daí a importância desse ponto, para mostrar a complexidade da região em termos da hidrologia e hidrodinâmica influenciada por marés, ventos e ondas”, ressalta o pesquisador Luís Takiyama.

Caranguejo-Uçá

O Caranguejo-Uçá também foi lançado em zona costeira, podendo simular para onde as correntes levariam um derramamento que alcançasse estas áreas. Após 10 dias, atracou às margens da Reserva Biológica do Lago Piratuba, no Amapá.

E quem pode frear essa ameaça?

Marcelo Laterman, porta-voz do Greenpeace Brasil, relembra que a população brasileira tem padecido aos mais brutais impactos da crise do clima, a exemplo das fortes chuvas que assolaram o Rio Grande do Sul. 

“Acabou o tempo. Não cabem mais manobras, desculpas e contradições”, diz, apontando a contradição do governo federal.

“O país que insiste em perpetuar o modelo do petróleo, em área sensível, na costa amazônica, não será o país da transição energética. Muito menos da justiça climática. Se o governo Lula não quiser ser lembrado como parte da solução, o será como parte do problema. Por isso pedimos que ele honre sua liderança pelo exemplo e declare a Amazônia, em terra e em mar, uma zona livre de petróleo.”   

Sem a ajuda de pessoas como você, nosso trabalho não seria possível. O Greenpeace Brasil é uma organização independente - não aceitamos recursos de empresas, governos ou partidos políticos. Por favor, faça uma doação hoje mesmo e nos ajude a ampliar nosso trabalho de pesquisa, monitoramento e denúncia de crimes ambientais. Clique abaixo e faça a diferença!