EUA sinaliza entrada na iniciativa, que já conta com investimentos da Noruega e Alemanha

Floresta conservada próxima ao Rio Manicoré, no sul do Amazonas, na Amazônia. (Nilmar Lage/Grenpeace)

O Fundo Amazônia é um mecanismo de financiamento climático brasileiro e desde sua criação, em 2008, ajudou a manter importantes projetos de proteção e desenvolvimento sustentável na Amazônia. Durante o governo Bolsonaro, o Fundo foi paralisado e seus principais doadores, Alemanha e Noruega, bloquearam suas contribuições. Mas no início de 2023, o Fundo foi reativado e na última semana, em reunião bilateral em Washington (EUA), o presidente norte-americano, Joe Biden, anunciou sua intenção de investir cerca de R$255 milhões (US$50 milhões), segundo noticiado

A entrada dos Estados Unidos no Fundo foi vista com otimismo pelo Brasil. Em entrevista, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que “Quando os Estados Unidos decidem fazer um aporte fora das estruturas tradicionais, isso empresta uma credibilidade enorme, que anima vários outros doadores“

Com a reativação, agora é possível utilizar os R$ 3 bilhões de reais que estavam em caixa, recursos que já devem ajudar a financiar o atendimento à emergência humanitária na Terra Indígena Yanomami. Além disso, o Fundo volta a receber aportes. A Alemanha, por exemplo, prometeu o apoio de R$ 195 milhões (35 milhões €). 

Mas de onde surgiu o Fundo, como ele é usado  e, principalmente, o Fundo Amazônia pode ajudar a acabar com o desmatamento? 

O que é o Fundo Amazônia?

Estabelecido pelo Decreto n° 6.257 de 1° de agosto de 2008, o Fundo Amazônia é uma iniciativa brasileira pioneira para redução de emissões resultantes do desmatamento e da degradação de florestas (REDD+). Então ele é um mecanismo criado principalmente para mitigar as mudanças climáticas, mas é aplicado na proteção da Amazônia, pois o desmatamento é a principal fonte de emissão de gases do efeito estufa do Brasil (49% – SEEG)

O objetivo do Fundo é captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Além disso, 20% dos recursos podem ser destinados para apoiar o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento em outros biomas brasileiros. O Fundo visa contribuir para o alcance das metas do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, especialmente o objetivo n° 4, de reduzir os índices de desmatamento em 42% em cada período de 5 anos de 2006 até 2020, conforme compromisso voluntário assumido em Copenhague, em 2009, na Conferência do Clima (COP 15). 

De 2009 a 2021, segundo relatório de atividades de 2021, o Fundo Amazônia apoiou 102 projetos, com quase R$ 1,5 bilhões desembolsados em projetos nas seguintes áreas:

  • Gestão de florestas públicas e áreas protegidas;
  • Controle, monitoramento e fiscalização ambiental;
  • Manejo florestal sustentável;
  • Atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da vegetação;
  • Zoneamento ecológico e econômico, ordenamento territorial e regularização fundiária; 
  • Conservação e uso sustentável da biodiversidade;
  • Recuperação das áreas desmatadas.

O bloqueio do Fundo Amazônia

Durante sua criação, o modelo de gestão de um fundo para conservação de florestas tropicais com doações internacionais foi um ponto de resistência em setores do governo brasileiro, pelo temor de que isso pudesse colocar o Brasil sob o risco de sanções internacionais e levar à perda da soberania sobre parte de seu território. 

Para evitar esses riscos, o modelo proposto se baseou em uma recompensa financeira pelo desmatamento evitado, onde a contribuição internacional seria proporcional a um resultado concretizado, por decisão e iniciativa autônoma do Brasil, sem gerar qualquer vinculação ou obrigação futura. 

Isso significa que a resposta para a pergunta “O Brasil pode perder a Amazônia com o Fundo?” é NÃO, pois a única coisa que o Brasil precisa dar em troca são resultados positivos no combate ao desmatamento. Além disso, nenhum recurso transferido ao Fundo é utilizado para compensar as emissões dos países doadores, dessa forma, as doações não servem para diminuir as obrigações dos países ricos em reduzir suas próprias emissões. 

O Fundo Amazônia possui um sistema eficiente de monitoramento e avaliação dos resultados, onde todos os projetos financiados possuem metas e indicadores pactuados e são realizadas avaliações de efetividade dos projetos. Para melhorar a transparência, em 2018 foi lançada uma plataforma onde é possível acessar as informações sobre os projetos e relatórios anuais.

Mas em 2019, todo este sistema começou a ser questionado pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. No primeiro ano de seu mandato, o governo Bolsonaro começou uma polêmica com Alemanha e Noruega, os principais doadores do Fundo Amazônia, e Salles promoveu uma série de mudanças unilaterais na gestão do programa, incluindo a extinção de dois comitês, e sugeriu que o dinheiro fosse aplicado para indenizar grileiros de terras públicas, algo bem diferente da finalidade do Fundo.

Ativistas do Greenpeace realizam um protesto pacífico em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, contra a política antiambiental do governo Bolsonaro, levando de maneira simbólica a Amazônia destruída para o local de trabalho do Presidente da República. (© Christian Braga / Greenpeace)

Como resultado, Noruega e Alemanha suspenderam as doações no mesmo ano e os valores ficaram parados em caixa, já que o governo não demonstrou interesse em usar o dinheiro para proteger a floresta e seus povos, único uso permitido pelas regras.

A omissão do governo federal em relação ao funcionamento do Fundo foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 59), em julgamento no Supremo Tribunal Federal, que formou maioria favorável à ação

Em 2 de janeiro de 2023, o Fundo Amazônia foi finalmente reativado, a partir do decreto assinado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que determinou o restabelecimento dos comitês que compõem a governança do fundo, e voltou a ser usado para financiar a proteção da Amazônia. 

Desbloqueio e novos rumos

Os valores vem em boa hora: o desmatamento da floresta segue em uma crescente nos últimos anos, e em 2022 a Amazônia brasileira perdeu uma área equivalente a 1,6 milhão de campos de futebol (11.568 km²). O novo governo chega com uma batata quente na mão, que precisa ser descascada com urgência. 

O Brasil precisa reconstruir a governança ambiental recuperando e fortalecendo estruturas, programas e políticas que foram deterioradas pela gestão anterior – isso inclui, por exemplo, o fortalecimento de seus órgãos de fiscalização e controle. Os valores irão ajudar a colocar em prática uma nova fase do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), uma das mais importantes iniciativas de combate ao desmatamento.

Mas está na hora de ir além, o Fundo precisa avançar em suas políticas de investimento na redução da desigualdade na Amazônia e no fomento ao desenvolvimento que valorize a floresta em pé e seus povos.

Vegetação na margem do Rio Manicoré, no sul do Amazonas, na Amazônia. As comunidades ribeirinhas de Manicoré estão lutando para terem seus direitos territoriais reconhecidos e sua floresta protegida.

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