Voluntário do Greenpeace em Manaus escreve relato sobre os impactos da maior cheia em Manaus desde 1902

Cenas do bairro do Educandos, na Zona Sul de Manaus, um dos mais atingidos pela cheia histórica do rio Negro © Rodrigo Duarte/Greenpeace

Após nove dias no nível mais alto desde o inicio das medições, 30 metros, o Rio Negro começou a baixar. Mas as marcas de quem viveu os impactos dessa cheia não desapareceram.

De Manaus, Mikael Santana Costa, do Grupo de voluntários e voluntárias do Greenpeace Brasil, enviou este texto expondo seu olhar sobre os desafios enfrentados pela população em situação de vulnerabilidade.

Na cidade de Manaus, cerca de 20 bairros têm sentido as consequências da grande cheia. Segundo a Defesa Civil, cerca de 455 mil pessoas foram afetadas de alguma maneira. Donos de lojas amargam prejuízos, pois a água poluída tomou conta de grande parte do centro histórico.

Se em terra firme a situação é complicada, para o morador da palafita o cenário é desolador. Sem condições de moradia digna, os habitantes dos “beiradões” de Manaus viveram dias de terror temendo que algum animal entrasse em suas casas (como cobras, jacarés e ratos).

Um temor que se une ao medo de terem as casas arrastadas pelos banzeiros causados pelas grandes embarcações que trafegam pelo Rio Negro, já que a maior parte delas está submersa. Tal situação é ainda pior nas cidades do interior do estado, onde as distâncias a serem vencidas levam dias, o que complica ainda mais a assistência a essas pessoas.

Medidas como auxílio-aluguel tentam minimizar a situação, mas não é difícil encontrar famílias que se queixam do valor oferecido pela prefeitura alegando que não é suficiente. Além disso, essas pessoas não têm acesso ao mínimo de saneamento básico, como água potável, convivendo com o lixo e dejetos que não passam por tratamento algum.

É contraditório: como pode alguém morar em um dos maiores rios do mundo e não ter acesso a água para beber? Vale ressaltar que essas pessoas que hoje residem nesses lugares são vítimas de uma política urbana segregadora que teve início no final do século XIX e ecoa ainda nos dias de hoje, fruto do interesse dos administradores daquela época que seguiram um projeto de modernidade que pretendia mudar a paisagem de Manaus, deixando-a mais atraente aos imigrantes que vinham em busca das riquezas do ciclo da borracha.

Essas mudanças, consequentemente, ocorreram às custas da segregação social, que excluía os pobres da zona urbana da cidade, deixando para eles apenas a opção de residirem às margens dos rios.

Além dessa lógica comum de excluir as populações em situação de vulnerabilidade das zonas valorizadas da cidade para dar lugar às classes mais altas e privilegiadas, as questões ambientais também não foram consideradas, o próprio centro histórico (lugar muito afetado pela cheia), há séculos foi construído sobre diversos cursos de água que tiveram seus leitos aterrados ou canalizados para dar lugar às ruas. Ou seja: no passado, a cidade avançou sobre o rio e hoje o rio avança sobre a cidade.

O retrocesso nas políticas ambientais que o Brasil vem sofrendo é um dos fatores que contribuem para o aumento do desmatamento na Amazônia nos últimos anos. Recentes descobertas científicas indicam que a devastação da Amazônia já causou mudanças no clima regional, como a alteração no regime de chuvas, o que causa preocupação, pois essas alterações climáticas só contribuem para situações de grandes enchentes como essa que estamos vivenciando.

O que se vê no país é o desmonte das políticas ambientais, ao invés de um tratamento e posicionamento responsável com as pautas relacionadas às mudanças climáticas.

As soluções que são tomadas são imediatistas, não se busca entender os processos envolvidos e o grau de complexidade, ou a criação de metas para mitigar os potenciais riscos à população, principalmente para as mais vulneráveis. O que nos leva a refletir: como a maior cidade no meio da floresta amazônica lidará com o desenvolvimento urbano e a interação com as dinâmicas da natureza futuramente?

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