Mais de 120 organizações da sociedade civil e 500 ativistas, artistas, cientistas, promotores públicos e jornalistas lançam um alerta na COP25: a democracia no Brasil está em risco e uma escalada autoritária está em andamento.

A Greve Global pelo Clima reuniu milhares de pessoas em São Paulo, em setembro de 2019.
© Barbara Veiga / Greenpeace

Em 26 de novembro, menos de uma semana antes do início da COP25, uma ação policial sem precedentes na cidade de Santarém, na Amazônia brasileira, prendeu quatro bombeiros voluntários e invadiu o escritório de uma das ONGs mais respeitadas do Brasil, sob falsas acusações. Cinco dias depois, outra ação policial causou a morte de nove jovens em um bairro pobre de São Paulo. Hoje, no Dia dos Direitos Humanos, 124 organizações da sociedade civil e mais de 500 ativistas, artistas, cientistas, promotores públicos e jornalistas lançam um alerta na COP25: a democracia no Brasil está em risco e uma escalada autoritária está em andamento.

“Pela primeira vez, em mais de três décadas, vemos demonstrações de retrocesso em algumas liberdades fundamentais duramente conquistadas”, diz a carta. Entre seus signatários estão sete ex-ministros, como Marina Silva e Izabella Teixeira (Meio Ambiente), artistas como o cineasta Fernando Meirelles (Os Dois Papas, Cegos), e cientistas como o climatologista Carlos Nobre e o biólogo Brulio Dias (ex-secretário executivo da Convenção de Biodiversidade da ONU).

“Integrantes do Governo Federal declaram sua simpatia a instrumentos que restringiram a liberdade e direitos políticos e civis no período ditatorial; o governo envia ao Parlamento um projeto de lei que evita a punição de forças policiais que venham a matar manifestantes; ativistas ambientais são presos e têm suas casas invadidas e organizações da sociedade civil têm seus escritórios vasculhados por policiais com base em acusações e mandatos judiciais desprovidos de fundamentos fáticos”, continua a carta. “Passa da hora de toda a sociedade brasileira dizer claramente: não toleraremos afrontas a nossos princípios democráticos.”

O próprio local do evento de hoje fala muito sobre a relação entre governo e participação pública durante o governo Jair Bolsonaro: o Centro de Ação Climática do Brasil na COP25 foi organizado pela sociedade civil, uma vez que não apenas o Brasil não possui um espaço nacional na COP – pela primeira vez em uma década – mas também tentou manter distante a sociedade civil, negando o credenciamento a ambientalistas, povos indígenas, academia e (à maioria) das empresas.

Confira a íntegra da carta:

Não existe democracia sem sociedade civil livre. É por meio de cidadãos atuantes e vigilantes que políticas são aprimoradas, desvios são denunciados e governantes são fiscalizados. Foi por meio da atuação de organizações da sociedade civil que o Brasil conseguiu reduzir drasticamente a mortalidade infantil, a miséria extrema e o desmatamento perdulário de suas florestas e tomar medidas cruciais contra a corrupção e pela transparência no poder público.

Qualquer regime no qual a sociedade não possa se manifestar livremente, sem receio de ser retaliada por sua atuação legítima, é um regime autoritário.

Há 35 anos, embalado num gigantesco movimento popular, o Brasil encerrava uma longa ditadura militar. Imaginava, com isso, haver deixado para trás, de forma definitiva, o uso do Estado para perseguições políticas e prisões arbitrárias de ativistas realizadas sem base em provas ou qualquer espécie de julgamento. Imaginava que, enfim, a liberdade teria vindo para ficar.

Porém, os rumos que estão sendo tomados pelo Brasil atual são extremamente preocupantes. Pela primeira vez, em mais de três décadas, vemos demonstrações de retrocesso em algumas liberdades fundamentais duramente conquistadas. Por exemplo, integrantes do Governo Federal declaram sua simpatia a instrumentos que restringiram a liberdade e direitos políticos e civis no período ditatorial; o governo envia ao Parlamento um projeto de lei que evita a punição de forças policiais que venham a matar manifestantes; ativistas ambientais são presos e têm suas casas invadidas e organizações da sociedade civil têm seus escritórios vasculhados por policiais com base em acusações e mandatos judiciais desprovidos de fundamentos fáticos.

Passa da hora de toda a sociedade brasileira dizer claramente: não toleraremos afrontas a nossos princípios democráticos! Não é aceitável conviver diariamente com ataques do Presidente da República, de seus ministros e auxiliares à imprensa livre, a organizações independentes e a direitos fundamentais individuais e coletivos. Não é aceitável conviver diariamente com massacres da população de maioria negra das nossas favelas e periferias, executados ou tolerados pelas forças de segurança pública que deveriam protegê-las. Não é aceitável ver manobras do poder público para fechar espaços cívicos. Não é aceitável a censura à cultura e à pesquisa.

Por essa razão, manifestamos nossa solidariedade e nosso apoio às instituições e pessoas que têm sido vítimas de abusos das autoridades e que fazem seu papel de enfrentamento dos desmandos e de preservação da nossa democracia e da ordem constitucional: as organizações da sociedade civil; a imprensa; o Congresso Nacional; o Ministério Público; os povos indígenas e as populações tradicionais; os servidores públicos das áreas científica, cultural e socioambiental; os professores e as universidades públicas.

Nossa democracia foi duramente reconquistada há apenas 35 anos. Não permitiremos que ela seja destruída mais uma vez.

Confira aqui a lista de assinaturas da carta.

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