O compromisso, firmado em 2006, mostrou que o Desmatamento Zero internalizado em cadeias produtivas é possível

Área desmatada na floresta amazônica para limpar a terra para plantações de soja. © Greenpeace / Daniel Beltrá

Em um belo dia de abril de 2006, um grupo de pessoas vestidas com fantasias vermelhas, de frangos com bicos amarelos, entrou em uma loja do McDonald’s, no centro de Londres, e calmamente se acorrentou às mesas para ler o jornal cuja manchete era a destruição da Amazônia.

Essa estranha visitação na maior rede de fast-food do planeta fazia parte das ações de divulgação do relatório Eating up the Amazon” (Comendo a Amazônia), do Greenpeace, que mostrava o quanto a cadeia da soja amazônica estava contaminada pelo desmatamento. Após muitas rodadas de negociações, nascia um importante documento chamado Moratória da Soja, fruto de uma campanha bem-sucedida e da pressão exercida por consumidores ao redor do mundo.  

A Moratória da Soja é um acordo voluntário liderado e implementado pelo setor privado para evitar o avanço do desmatamento da Amazônia para a produção do grão. A sua governança e operação são de responsabilidade do Grupo de Trabalho da Soja (GTS), constituído pelas empresas associadas à Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e à Associação Brasileira de Exportadores de Cereais (ANEC), por cooperativas, cerealistas e revendas, representantes do governo e por organizações da sociedade. Na época da assinatura do acordo, a ABIOVE e a ANEC se comprometeram a não comprar o grão produzido em áreas que foram desmatadas após 22 de julho de 2006. Em 2013 a linha de corte foi alterada para 2008, em alinhamento ao Novo Código Florestal brasileiro.

Nos seus 18 anos de existência e dentro de um cenário de rápida expansão da cultura da soja na Amazônia, a Moratória da Soja mostrou que a união da sociedade civil, iniciativa privada e governos na busca de soluções ambientais pode trazer resultados surpreendentes na polêmica balança entre produção agrícola e proteção do meio ambiente. 

Breve histórico

Em 2004/2005, a situação na Amazônia brasileira era alarmante, com a segunda taxa mais alta de desmatamento anual já registrada. Embora a principal inimiga da floresta fosse a pecuária (as áreas dedicadas à pastagem ocupavam 88% do desmatamento na Amazônia entre 1985 e 2022), a abertura de uma nova fronteira para a soja, como Santarém e Belterra, distante do tradicional “arco do desmatamento” que devastou Rondônia, Mato Grosso e regiões do sul e leste do Pará, havia acendido o sinal vermelho. Precisava ser contida antes que fosse tarde demais. Para isso, era importante identificar quem era responsável, quem se beneficiava e quem tinha poder para parar a destruição da floresta.

Em abril de 2006, o Greenpeace lançou o relatório “Eating up the Amazon”, conforme mencionado acima, que mostrava o quanto a cadeia da soja amazônica estava contaminada pelo desmatamento. Empresas consumidoras como o McDonald’s foram expostas: a carne de frango que eles e outras empresas de fast-food serviam era alimentada com a soja cultivada a partir da destruição da Amazônia. 

O desmatamento é hoje o principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa no Brasil, intensificando o aquecimento global. Do ano de 2004/2005, onde a situação na Amazônia brasileira era alarmante, com a segunda taxa mais alta de desmatamento anual já registrada, até os dias de hoje, com a existência da iniciativa, a história da soja no bioma Amazônico foi escrita em diferentes capítulos que envolveram: alertas globais, negociação entre diferentes atores e mobilização de milhares de pessoas. 

O que era visto como uma “afronta” para o mercado acabou se tornando um grande trunfo comercial ao longo dos anos. Afinal, produzir soja livre de desmatamento abriu as portas de mais mercados para o produto brasileiro em tempos de reflexões sobre a origem do produto, consumo sustentável e emergência climática. 

Ao longo desses 18 anos, a Moratória da Soja se tornou mundialmente reconhecida como um instrumento importante para reduzir o avanço do desmatamento na Amazônia e propiciar melhores condições de mercado para a exportação da soja brasileira frente às exigências dos mercados consumidores.

Enquanto os municípios monitorados pela Moratória tiveram uma redução de 69% no desmatamento (entre 2009 e 2022), a área plantada de soja no bioma Amazônia cresceu 344%.

Desse crescimento, 95,6% ocorreu em áreas já desmatadas/abertas antes de 2008, principalmente para pastagens. Neste mesmo período, o Brasil se tornou o maior produtor de soja no mundo, sendo responsável por mais de um terço do grão produzido globalmente. 

Apesar do êxito, o futuro da Moratória da Soja ainda é incerto. Atualmente passa por questionamentos de produtores e atores políticos que querem enfraquecê-la e até derrubá-la. A Moratória da Soja é o maior e mais bem sucedido acordo de Desmatamento Zero no mundo. Dada a emergência climática que vivemos, esta deveria estar sendo aperfeiçoada e expandida para outros biomas, e não questionada. Agora cabe às empresas e consumidores da soja brasileira fazerem essa escolha.   

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