O compromisso, firmado em 2006, mostrou que o Desmatamento Zero internalizado em cadeias produtivas é possível
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Em um belo dia de abril de 2006, um grupo de pessoas vestidas com fantasias vermelhas, de frangos com bicos amarelos, entrou em uma loja do McDonald’s, no centro de Londres, e calmamente se acorrentou às mesas para ler o jornal cuja manchete era a destruição da Amazônia.
Essa estranha visitação na maior rede de fast-food do planeta fazia parte das ações de divulgação do relatório “Eating up the Amazon” (Comendo a Amazônia), do Greenpeace, que mostrava o quanto a cadeia da soja amazônica estava contaminada pelo desmatamento. Após muitas rodadas de negociações, nascia um importante documento chamado Moratória da Soja, fruto de uma campanha bem-sucedida e da pressão exercida por consumidores ao redor do mundo.
A Moratória da Soja é um acordo voluntário liderado e implementado pelo setor privado para evitar o avanço do desmatamento da Amazônia para a produção do grão. A sua governança e operação são de responsabilidade do Grupo de Trabalho da Soja (GTS), constituído pelas empresas associadas à Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e à Associação Brasileira de Exportadores de Cereais (ANEC), por cooperativas, cerealistas e revendas, representantes do governo e por organizações da sociedade. Na época da assinatura do acordo, a ABIOVE e a ANEC se comprometeram a não comprar o grão produzido em áreas que foram desmatadas após 22 de julho de 2006. Em 2013 a linha de corte foi alterada para 2008, em alinhamento ao Novo Código Florestal brasileiro.
Nos seus 18 anos de existência e dentro de um cenário de rápida expansão da cultura da soja na Amazônia, a Moratória da Soja mostrou que a união da sociedade civil, iniciativa privada e governos na busca de soluções ambientais pode trazer resultados surpreendentes na polêmica balança entre produção agrícola e proteção do meio ambiente.
Breve histórico
Em 2004/2005, a situação na Amazônia brasileira era alarmante, com a segunda taxa mais alta de desmatamento anual já registrada. Embora a principal inimiga da floresta fosse a pecuária (as áreas dedicadas à pastagem ocupavam 88% do desmatamento na Amazônia entre 1985 e 2022), a abertura de uma nova fronteira para a soja, como Santarém e Belterra, distante do tradicional “arco do desmatamento” que devastou Rondônia, Mato Grosso e regiões do sul e leste do Pará, havia acendido o sinal vermelho. Precisava ser contida antes que fosse tarde demais. Para isso, era importante identificar quem era responsável, quem se beneficiava e quem tinha poder para parar a destruição da floresta.
Em abril de 2006, o Greenpeace lançou o relatório “Eating up the Amazon”, conforme mencionado acima, que mostrava o quanto a cadeia da soja amazônica estava contaminada pelo desmatamento. Empresas consumidoras como o McDonald’s foram expostas: a carne de frango que eles e outras empresas de fast-food serviam era alimentada com a soja cultivada a partir da destruição da Amazônia.
O desmatamento é hoje o principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa no Brasil, intensificando o aquecimento global. Do ano de 2004/2005, onde a situação na Amazônia brasileira era alarmante, com a segunda taxa mais alta de desmatamento anual já registrada, até os dias de hoje, com a existência da iniciativa, a história da soja no bioma Amazônico foi escrita em diferentes capítulos que envolveram: alertas globais, negociação entre diferentes atores e mobilização de milhares de pessoas.
O que era visto como uma “afronta” para o mercado acabou se tornando um grande trunfo comercial ao longo dos anos. Afinal, produzir soja livre de desmatamento abriu as portas de mais mercados para o produto brasileiro em tempos de reflexões sobre a origem do produto, consumo sustentável e emergência climática.
Ao longo desses 18 anos, a Moratória da Soja se tornou mundialmente reconhecida como um instrumento importante para reduzir o avanço do desmatamento na Amazônia e propiciar melhores condições de mercado para a exportação da soja brasileira frente às exigências dos mercados consumidores.
Enquanto os municípios monitorados pela Moratória tiveram uma redução de 69% no desmatamento (entre 2009 e 2022), a área plantada de soja no bioma Amazônia cresceu 344%.
Desse crescimento, 95,6% ocorreu em áreas já desmatadas/abertas antes de 2008, principalmente para pastagens. Neste mesmo período, o Brasil se tornou o maior produtor de soja no mundo, sendo responsável por mais de um terço do grão produzido globalmente.
Apesar do êxito, o futuro da Moratória da Soja ainda é incerto. Atualmente passa por questionamentos de produtores e atores políticos que querem enfraquecê-la e até derrubá-la. A Moratória da Soja é o maior e mais bem sucedido acordo de Desmatamento Zero no mundo. Dada a emergência climática que vivemos, esta deveria estar sendo aperfeiçoada e expandida para outros biomas, e não questionada. Agora cabe às empresas e consumidores da soja brasileira fazerem essa escolha.
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