795 indígenas assassinados e 3 mil crianças foram a óbito entre 2019 e 2022, aponta Cimi – criação da Comissão da Verdade Indígena pode reparar histórico

“Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil” é um relatório anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Os conflitos, as invasões e os danos aos povos originários aumentaram de forma alarmante nos últimos quatro anos, segundo o mais novo relatório anual do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil”, lançado na quarta-feira (26), com base nos dados de 2022. 

Ao todo, entre 2019 e 2022, 795 indígenas foram assassinados, 3.552 crianças de até quatro anos morreram por negligência do poder público e 1.133 episódios de invasões e explorações ilegais contra territórios e patrimônios indígenas foram registrados.  

O cenário de tensão contra os povos originários faz parte do contexto instaurado pelo Estado brasileiro no último quadriênio, que enfraqueceu e ignorou os direitos e as políticas indígenas. Para se ter uma ideia, sob o governo de Jair Bolsonaro, a média anual de casos de violência contra indígenas aumentou 156% (378,8 casos/ano) em comparação com a média de Michel Temer e Dilma Rousseff (242,5 casos/ano). 

Na intenção de investigar e reparar as violências dos últimos quatro anos, o relatório do CIMI destaca a necessidade de criação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV), a exemplo da comissão instalada para investigar crimes da ditadura civil-militar brasileira.

“Esse relatório é mais uma prova do que as lideranças indígenas vêm relatando e denunciando nos últimos anos”, explica Ariene Susui, porta-voz da frente de Amazônia do Greenpeace Brasil. “É necessário que se faça justiça. Foram inúmeras violências e isso não pode ficar impune, que haja um compromisso das autoridades para investigar e punir todos envolvidos”.

Devido aos desmonte e às omissões institucionais, o garimpo ilegal explodiu nas Terras Indígenas da Amazônia, com a conivência do governo, gerando uma crise humanitária e ambiental sem precedentes. Para encerrar esse trágico capítulo da história brasileira de uma vez por todas, é urgente acabar com a mineração nas Terras Indígenas e assegurar a proteção desses territórios. 

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Fim de ciclo de violências

O relatório do Cimi frisa que o ano de 2022 encerrou um governo que atacava os direitos, os territórios e a vida dos povos indígenas. Assim como nos três anos anteriores, 2022 foi protagonizado pela crescente no número e na gravidade das investidas contra povos originários e seus territórios. 

Segundo o relatório do Cimi, em 2022 foram registrados 416 casos de violência contra indígenas, incluindo 180 assassinatos. Registrou-se também 115 ocorrências de suicídio entre indígenas – mais de um terço das mortes (39) foram de jovens de até 19 anos. 

Pelo sétimo ano consecutivo, as invasões aos territórios indígenas aumentaram: foram registrados 309 casos, que atingiram 218 Terras Indígenas em 25 estados do país. Outro caso marcante foi a morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em junho, por pessoas associadas à rede criminosa que articula invasões às Terras Indígenas. 

March Demarcation Now: Free Land Camp in Brazil (2022). © Tuane Fernandes / Greenpeace
Indígenas protestam no Acampamento Terra Livre 2022, em Brasília © Tuane Fernandes / Greenpeace

Violência sem precedentes 

No início de 2023, a crise humanitária na Terra Indígena (TI) Yanomami, a maior TI do país, chocou o Brasil e o mundo, chamando atenção para a escalada de violências que este povo enfrenta: mortalidade infantil, fome, desassistência na área de saúde, assassinatos, violências sexuais e invasões territoriais

Os estados com mais assassinatos foram Roraima e Amazonas, justamente onde se localiza a TI Yanomami, com 208 e 163 mortes, respectivamente, no período de 2019 a 2022. O distrito de saúde (DSEI-YY) que cobre a TI Yanomami registrou 621 mortes de crianças de 0 a 4 anos, que representam 17,5% de todas as mortes de crianças indígenas nesta faixa etária.

No caso da TI Yanomami, os garimpeiros estabeleceram uma mega infraestrutura e tomaram conta dos recursos de assistência aos indígenas. O resultado foi uma tragédia sanitária, alimentar e ambiental jamais vista por conta “da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras”, sintetizou o Ministério Público Federal (MPF). 

Milhares de indígenas foram até Brasília para protestar contra os desmontes e omissões do Governo Bolsonaro

Política genocida  

O governo Bolsonaro estimulou um ataque sistemático contra os direitos conquistados pelos povos originários ao enfraquecer as políticas e os órgãos indígenas e de proteção ambiental.

Além de não ter demarcado nenhuma Terra Indígena, nos últimos quatro anos o Estado brasileiro se omitiu perante o dever de proteger esses territórios e incentivou a exploração ilegal de Terras Indígenas por meio de discursos, projetos de leis (PLs) e medidas administrativas, a exemplo da insistência em instituir a tese anti-indígena do Marco Temporal.  

Para fazer justiça frente às repetidas violações de direitos humanos contra os povos indígenas – incluindo o período da ditadura militar que vitimou mais de 8 mil indígenas e o período do governo Bolsonaro –, o relatório do CIMI ressalta a importância da instauração da Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV).

No 19º Acampamento Terra Livre, ocorrido em abril de 2023 em Brasília (DF), a Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, na presença do presidente Lula, também defendeu a criação da CNIV com intuito de reparar e não-repetir, superando um ciclo de violência e desrespeito. Principal medida reparadora seria a demarcação e a desintrusão das Terras Indígenas.

Illegal Road and Machinery in the Yanomami Indigenous Land in the Amazon.
Garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Yanomami registrado pelo Greenpeace Brasil em dezembro de 2022

Invasão garimpeira 

O garimpo ilegal dentro das TIs instala um ambiente de terror contra os povos indígenas, gerando conflitos e contaminações dos rios, animais e pessoas pelo mercúrio utilizado no processo de extração de ouro, especialmente na Amazônia. As crianças são as mais vulneráveis. 

O relatório do CIMI detalha que há cinco Terras Indígenas onde o avanço do garimpo acontece de forma mais grave – e todas estão na Amazônia: TIs Kayapó, Munduruku, Yanomami, Tenharim do Igarapé Preto e Apyterewa.

Em 2022, investigações da Polícia Federal (PF) apontaram o tamanho da rede criminosa que explora as Terras Indígenas no país: estima-se que as empresas envolvidas na compra e venda de ouro ilegal extraído dos territórios originários movimentaram cerca de R$16 bilhões entre 2019 e 2021. 

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