- Área garimpada dentro da Estação Ecológica do Alto Maués (AM) aumentou mais de 420% em quatro anos
- Pesquisadores identificaram um movimento migratório da atividade garimpeira saindo do Pará indo em direção ao estado do Amazonas, com impactos sendo vistos nos rios Tapajós, Jamanxin, Anamã e Parauari
Um novo e inédito levantamento do Greenpeace Brasil mostra que o garimpo ilegal ameaça um importante e fundamental patrimônio natural brasileiro: as Unidades de Conservação (UCs). Novos dados reunidos pela área de Pesquisa da organização, registram que o garimpo ilegal já devastou 13.484 hectares dentro dessas áreas protegidas – concentrados em 15 Unidades de Conservação nos estados do Amapá, Amazonas e Pará.
Desse total, 1.512 hectares estão localizados em Unidades de Proteção Integral e 11.972 hectares em Unidades de Uso Sustentável.
As Unidades de Conservação são áreas protegidas, estabelecidas pelo poder público, que tem como objetivo proteger a biodiversidade, os recursos naturais e os ecossistemas brasileiros. Elas têm papel fundamental na mitigação dos impactos causados pela crise climática e na educação ambiental.
Ranking das Unidades de Conservação com maior área ocupada por garimpo
Unidade de Conservação | Área de garimpo (ha) | Categoria | UF | |
1 | Floresta Nacional do Amanã | 6.812 | Uso Sustentável | PA |
2 | Floresta Nacional do Urupadi | 2.613,03 | Uso Sustentável | AM |
3 | Floresta Nacional do Crepori | 1.172,49 | Uso Sustentável | PA |
4 | Parque Nacional do Jamanxin | 622,64 | Proteção Integral | PA |
5 | Floresta Nacional de Altamira | 538,64 | Uso Sustentável | PA |
6 | Floresta Nacional do Jamari | 355,15 | Uso Sustentável | PA |
7 | Estação Ecológica do Alto Maués | 313,12 | Proteção Integral | AM |
8 | Parque Nacional do Juruena | 289, 18 | Proteção Integral | AM/MT |
9 | Floresta Nacional de Itaituba | 201,65 | Uso Sustentável | PA |
10 | Parque Nacional do Mapinguari | 164,34 | Proteção Integral | AM |
11 | Parque Nacional dos Campos Amazônicos | 123 | Proteção Integral | AM |
12 | Floresta Nacional de Itaituba II | 116 | Uso Sustentável | PA |
13 | Floresta Estadual do Amapá | 86,87 | Uso Sustentável | AP |
14 | Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio | 58,85 | Uso Sustentável | PA |
15 | Floresta Nacional do Trairão | 27,14 | Uso Sustentável | PA |
Total | 13.484,20 |
Fonte: Departamento de Pesquisa do Greenpeace
Vetor de destruição
Nos últimos anos, o garimpo tem sido um dos principais vetores de destruição da Amazônia. O enfraquecimento da fiscalização e o afrouxamento de leis ambientais, ocorridos durante o governo Bolsonaro, assim como o aumento do preço do ouro no mercado externo, fizeram com que os números relativos a essa atividade crescessem exponencialmente, piorando um cenário que já era muito complexo.
De maneira geral, os garimpos causam destruição ambiental, potencializam as violações dos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, geram perdas econômicas graças à sonegação fiscal e não pagamento de impostos e, ultimamente, estão atrelados ao crime organizado – tendo sua infraestrutura utilizada também para o tráfico de drogas, de armas, de pessoas e de animais silvestres.
Recentemente, levantamento feito pelo Greenpeace Brasil mostrou que garimpeiros ilegais continuam abrindo novas áreas de exploração nas Terras Indígenas Kayapó, Munduruku e Yanomami: foram 417 hectares abertos entre janeiro e junho de 2024 – uma área equivalente a 584 campos de futebol.
Recentemente, a organização ambiental também identificou a volta de garimpeiros à Terra Indígena Sararé. A partir de dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi constatado o aumento de alertas de garimpo na região, registrados em primeira mão por fotografias durante sobrevoo.
Somente de janeiro a julho de 2024, a TI Sararé já soma 570 hectares de novos alertas de garimpo.
Resultados
Neste novo trabalho, focado nas Unidades de Conservação, os pesquisadores do Greenpeace identificaram um movimento migratório da atividade garimpeira saindo do sentido leste para o sudoeste da Amazônia – mais precisamente, saindo do Pará e indo em direção ao estado do Amazonas, com impactos sendo vistos nos rios Tapajós, Jamanxim, Anamã e Parauari. Entre as áreas analisadas, a Estação Ecológica do Alto Maués, no município de Maués, Sul do Amazonas, destacou-se pelo grande e rápido crescimento da atividade garimpeira.
Das áreas analisadas pelo Greenpeace, duas delas chamaram atenção por conta do avanço recente do garimpo em seu interior: a Estação Ecológica do Alto Maués; e o Parque Nacional dos Campos Amazônicos, que protege, dentro da floresta amazônica, uma área de savana muito distinta e particular. O Parque fica situado entre os estados do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia.
Na Estação Ecológica do Alto Maués, as primeiras cicatrizes de atividade garimpeira apareceram em 2020, com a identificação de 60 hectares de garimpo. Em 2023, esse número estava em 178 hectares e em 2024 ele chegou a 313 hectares acumulados até o mês de julho – um aumento de 421% em quatro anos. A área devastada pelo garimpo dentro desta área protegida é hoje aproximadamente duas vezes o tamanho do Parque Ibirapuera, de São Paulo (SP). Dentro da Estação Ecológica do Alto Maués, o garimpo se concentra na região sudeste, principalmente nos afluentes do rio Parauari. Também foi possível observar duas pistas de pouso ativas.
O primeiro alerta de garimpo dentro do Parque Nacional dos Campos Amazônicos foi observado pela ferramenta específica do Greenpeace, o sistema Papa Alpha, em 29 de janeiro de 2023. Na ocasião, foram identificadas duas aberturas relativas à atividade garimpeira e o incremento de um ramal. Um segundo conjunto de alertas apareceu em fevereiro do mesmo ano. O tamanho da área devastada associada ao garimpo dentro daquela Unidade de Conservação hoje é de 123 hectares. Além do garimpo, os Campos Amazônicos sofrem com desmatamento para transformação em pastagens ilegais, incêndios florestais e roubo de madeira.
Problema histórico
Além das duas Unidades de Conservação citadas, vale a pena relembrar algumas outras, em que o garimpo ilegal também é um grande e histórico problema.
Na Floresta Nacional do Amanã, que fica na divisa entre o Amazonas e o Pará, o Greenpeace Brasil identificou 6,8 mil hectares de garimpo. “Amanã” é um termo de origem indígena que significa “água que vem do céu”. O rio de mesmo nome, o mais importante daquela Floresta Nacional, possui 156 quilômetros – desses, 56 já foram afetados pelo garimpo, sem contar seus afluentes. A Flona do Amanã é a Unidade de Conservação da Amazônia que tem a maior área destruída por garimpo ilegal.
Situada no sul do Amazonas, na cidade de Maués, a Floresta Nacional de Urupadi ocupa a segunda posição nesse triste ranking. Ela sofre com o garimpo ilegal desde 1985, quando foram identificados 162 hectares da atividade ilegal em seu interior. Em 2016, quando a Floresta Nacional foi criada e a área passou a ser protegida de maneira mais rígida, o tamanho dessa área era de 303 hectares. Em 2024, o levantamento do Greenpeace encontrou 2.603 hectares de atividade garimpeira – um aumento de 759% em menos de 8 anos.
Apesar da atividade garimpeira ser permitida em certas zonas da Floresta Nacional do Urupadi, o Plano de Manejo Florestal da Flona não foi localizado, o que seria de suma importância para verificar se os limites da exploração estão sendo respeitados.
O Greenpeace analisou os pedidos de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) disponibilizados pela Agência Nacional de Mineração (ANM) dentro da UC. Foi feita a intersecção da área de garimpo com a área da PLG, e verificou-se que de 120 pedidos dentro da UC, 43 PLGs em diferentes fases estão sobrepostas à área de garimpo na UC. .
Análise
O objetivo do mais recente levantamento do Greenpeace Brasil foi realizar um mapeamento para compreender a dinâmica de expansão e desaceleração do garimpo ilegal dentro de Unidades de Conservação da Amazônia, bem como quantificar o tamanho ocupado por essa atividade. A análise excluiu a categoria Área de Proteção Ambiental (APA). Considerou-se garimpo ilegal toda extração mineral realizada dentro de Unidades de Proteção Integral e de Uso Sustentável que não possuísse autorização no respectivo plano de manejo.
A análise do garimpo dentro das Unidades de Conservação foi realizada utilizando imagens de satélite do sistema Planet Lab e Sentinel -2. Foram utilizadas ainda alertas do Papa Alpha, ferramenta própria do Greenpeace, que utiliza os sensores GLAD (Global Analysis and Discovery). Sensores RADD (Radar para Detecção de Desflorestamento) foram empregados para analisar áreas com muita cobertura de nuvens. Além disso, o Greenpeace realizou um sobrevoo no Parque Nacional dos Campos Amazônicos e Parque Nacional Mapinguari para registrar in loco essas atividades.
Ferramentas de conservação
As Unidades de Conservação são divididas em duas categorias: as de Proteção Integral e as de Uso Sustentável. As áreas de Proteção Integral são mais restritivas e permitem apenas o uso indireto de seus recursos, como pesquisas científicas e atividades de educação ambiental, como os Parques Nacionais e as Estações Ecológicas. Já as de Uso Sustentável possibilitam a exploração de seus recursos, segundo um plano de manejo que estabelece regras – e sem esquecer da conservação da natureza. As Reservas Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável são exemplos de Unidades de Uso Sustentável.
No Brasil, as Unidades de Conservação são reguladas pela Lei 9.985, que estabeleceu, no ano 2000, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Junto às Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, as Unidades de Conservação são ferramentas importantíssimas de conservação da natureza, de manutenção da vida de povos e comunidades tradicionais e enfrentamento da crise climática.
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