Críticos a um modelo de exploração que prioriza a lucratividade em detrimento da floresta e de seus povos, eles afirmam que é preciso romper imediatamente com a destruição da Amazônia

“Queremos mostrar para o poder público que nós, povos tradicionais, precisamos da conexão com a natureza e que é necessário romper com a atual lógica de exploração da Amazônia”. Este é um dos propósitos firmados pelos jovens que organizam a I Romaria do Bem Viver, que acontece neste sábado e domingo (dias 16 e 17/11), no Projeto de Assentamento Agroecológico (PAE) Lago Grande, localizado na região de Santarém, no Pará.

Em trajeto de 35 km, jovens farão debates sobre políticas públicas, espiritualidade, direitos humanos, identidade, território, resistência e agroecologia

Com participação de 1.500 jovens das três regiões do PAE (Arapiuns, Arapixuna e Lago Grande), o evento pretende promover um amplo debate sobre a necessidade de proteger o território e o modo de vida tradicional dos comunitários.

“Esta Romaria foi pensada, planejada e organizada por nós, jovens. E ela é direcionada principalmente para os jovens. Queremos estimular uma profunda reflexão sobre nós mesmos, sobre o nosso modo de vida e tudo aquilo que nos é mais sagrado, que nos garante a vida há tanto tempo dentro da Amazônia. E acima de tudo, queremos mostrar que é possível viver de forma sustentável, através da agroecologia, do extrativismo e da pesca artesanal, por exemplo, vivendo em conexão com a Mãe Natureza”, afirma Ian Sousa Tavares, de 19 anos, do povo Arapyún da Aldeia Camará, na Terra Indígena (TI) Sarambiá. Ele considera ainda que a continuidade deste modo de vida exige, hoje, que as comunidades do PAE resistam ao modelo de desenvolvimento que querem lhes impor, que beneficia apenas algumas pessoas e destrói a terra, os rios, igarapés, e o Bem Viver destas comunidades.

Greicy Nardines Branches Gomes, de 24 anos, da comunidade Araci, reforça a avaliação de seu colega: “Estamos fazendo esta Romaria para mostrar que aqui, dentro do Lago Grande, nós dependemos grandemente da nossa natureza. Por isso, queremos lutar em defesa do nosso território. Já estamos sendo afetados diretamente pelas madeireiras que poluem os rios. E existe uma mineradora que também entra aqui, tentando fazer pesquisa para explorar nossa terra. Mas nós não queremos nenhuma mineradora dentro do Lago Grande”.

Segundo ela, é fundamental romper com a atual lógica de exploração da Amazônia. “Queremos preservar nosso Bem viver, para nós, jovens, para os nossos futuros filhos, nossos futuros netos. Que eles possam pular na água, que possam pegar um peixe no rio, ir no mato caçar, fazer sua roça… Usufruir da natureza, sem destruí-la”, explica Greicy.

Jovens do PAE Lago Grande estão há meses mobilizando e organizando a I Romaria do Bem Viver : em defesa do território e do modo de vida ancestral

Mas que é o “Bem Viver”?

Este conceito não surgiu nas universidades. Inspirado nas vivências milenares de povos indígenas e comunidades tradicionais andinos e amazônicos, ele propõe uma alternativa ao atual modelo de desenvolvimento ocidental – caracterizado pela desigualdade social e destruição da natureza.

A “essência” do Bem Viver é comunitária e sustentada pela diversidade. Ele é a evidência real de que outros mundos são possíveis e já existem há milhares de anos – para além do capitalismo, do individualismo e da dominação dos mais fortes sobre os mais fracos.

Em sintonia com a natureza, o Bem Viver abarca os diversos modos de vida de cada povo, de cada comunidade. Há um profundo respeito por todas as formas de vida, às plurais práticas sociais, culturais e, inclusive, econômicas, assegurando projetos coletivos de futuro, baseados na dignidade, justiça social e justiça ecológica.

Cabanagem: orgulho de um passado, que deve se fazer presente

Entre 1831 e 1840, na época do Império, quando o Pará ainda era o “Grão-Pará”, este estado foi palco de uma das revoltas populares mais importante que já ocorreu no Brasil: a Cabanagem E a comunidade de Cuipiranga foi um dos focos de maior resistência desta luta.

O contexto era de forte concentração de terras nas mãos de alguns aristocratas, o que causava fome e miséria na maior parte da população. Sem trabalho e sem condições dignas de vida, moradores das margens dos rios (chamados pejorativamente de cabanos), se uniram contra o governo regencial com o objetivo de conquistar a independência da província do Grão-Pará. E eles foram vitoriosos: esta foi a única revolta popular no Brasil que conseguiu, efetivamente, através de estratégias políticas específicas e muito inteligentes, derrotar a elite, o governo local e suas tropas militares e assumir o poder em todo o Grão-Pará.

A proposta de iniciar a Romaria na comunidade de Cuipiranga tem como propósito resgatar este histórico guerreiro ancestral dos comunitários do PAE, atualizando-o para as necessárias lutas que precisam ser realizadas hoje, no sentido de garantir a proteção do território e o modo de vida tradicional.

Trajeto e reflexões

A Romaria tem início às 9h do dia 16, com o seminário “PAE Lago Grande: Território do Bem Viver – livre de mineração”. Por volta das 16h haverá a concentração para a Caminhada, que terá um percurso total de 35 km, saindo da Comunidade Cuipiranga.

Durante este trajeto, que será quase todo feito durante a noite, ocorrerão cinco paradas em comunidades para um debate sobre os seguintes temas:  políticas públicas, espiritualidade libertadora, direitos humanos, identidade e território, juventude e resistência e agroecologia.

A previsão é que a Caminhada chegue por volta das 8h da manhã do dia 17 na comunidade Murui, onde uma Feira Agroecológica Solidária, com produtos da agricultura familiar e sementes crioulas do assentamento, encerrará a Romaria.   Organizado pela Pastoral da Juventude – Região 8, a Romaria conta com o apoio do Grupo Mãe Terra, da Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle), do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR-Stm), da Fase-Amazônia e do Greenpeace.

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