Comunidades atingidas seguem mobilizadas contra o abandono do poder público e a pressão da especulação imobiliária, denunciando remoções e exigindo soluções definitivas

Passados dois anos de uma das maiores tragédias climáticas do Brasil, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, as comunidades ainda enfrentam as consequências do abandono do poder público, vivendo em condições precárias e com uma grande quantidade de pessoas em áreas suscetíveis a deslizamentos e inundações, além do agravamento da falta de saneamento básico nos bairros periféricos.
Histórico
Entre os dias 18 e 19 de fevereiro de 2023, data em que se comemorava o feriado de carnaval, após uma madrugada inteira de chuvas fortes, ocorreram deslizamentos de morros em diversos pontos da cidade, inundações em todo o litoral, e milhares de pessoas ficaram desabrigadas, resultando em 64 mortos e um desaparecido, segundo a Defesa Civil.
Em conversa com o Movimento União dos Atingidos, formado por moradores de São Sebastião afetados pela tragédia, lideranças denunciaram sofrer ameaças do poder público ao longo desses últimos dois anos que tentou remover os moradores da Vila Sahy – epicentro da tragédia. E, em meio a uma série de outras violações, a especulação imobiliária se aproveitou para ampliar seu espaço, contando com o aval da Prefeitura e do Estado, expulsando as pessoas do território onde construíram suas vidas e histórias por décadas.

Entre as muitas preocupações dos moradores, estão as encostas concretadas e o provável aumento do volume de água após as chuvas. Isso porque, “com a concretagem, a velocidade da água pode crescer, já que não há mais a vegetação nem a permeabilidade do solo, que, naquele dia de 2023, ajudaram a amortecer seu fluxo. Embora não tenham evitado a tragédia, reduziram uma consequência que poderia ter sido ainda mais grave”, declara um dos moradores participantes do Movimento.
A negligência do poder público deu lugar a um vazio que a população precisou ocupar para cobrar soluções definitivas enquanto a especulação imobiliária ameaça os direitos de uma verdadeira recuperação.
Veja quais são as principais demandas atuais da população:
Moradia digna. Realocação da população moradora de áreas em situação de vulnerabilidade socioambiental para regiões seguras, respeitando seu modo de vida e suas fontes de renda.
Plano de Adaptação para Desastres com Estudo de Vulnerabilidade Climática construído por comunitários e técnicos, analisando cada bairro e suas comunidades, para apresentar o risco de deslizamentos e inundações em cada uma delas, e também pensar soluções estratégicas articuladas com a população e Defesa Civil, construindo planos de contingência para a adaptação à possíveis desastres.
Plano de Ação para Mitigação Socioambiental. O Comitê União dos Atingidos propõe a prevenção de riscos através de desassoreamento de rios, de limpeza pluvial e subterrânea (tubos, córregos, drenagem dos solos), conservação de ecossistemas costeiros (matas ciliares e manguezais), poda de árvores, melhora no sistema de saneamento básico no município e planejamento urbano pensado na intensidade do advento das mudanças climáticas.
Ampliação da Defesa Civil, com a construção de uma sede na Costa Sul do município de São Sebastião, incluindo suporte aéreo e marítimo para atender áreas isoladas, suporte às famílias e um plano de resgate eficaz para futuras tragédias; e também a criação de abrigos/centros de convivência que ofereçam oficinas culturais, socioambientais e esportivas, priorizando bairros onde existem pessoas morando em áreas de risco. Esses centros servirão como abrigos emergenciais para evitar a utilização de escolas, garantindo a continuidade das atividades educacionais durante crises.
Plano de Saúde Mental Pública, pois “muitos ainda carregam profundas sequelas psicológicas daquele dia, seja pelo trauma vivido ou pela perda de familiares e pessoas próximas”, relata moradora da Vila Sahy e uma das líderes do Movimento União dos Atingidos.
O movimento exige a implementação de um plano de saúde mental pública dedicado ao atendimento de vítimas de traumas, perdas familiares e rupturas emocionais. A proposta, fundamentada na Lei 10.216/2001, busca assegurar bem-estar psíquico, assistência integral e transparência na oferta dos serviços públicos de saúde mental.
Política Pública de Segurança Alimentar. A proposta, pautada na Lei 8080/1990, visa combater a insegurança alimentar no município, garantindo acesso ao aleitamento materno, alimentação natural nas escolas e redução do uso de agrotóxicos na agricultura. Ademais, busca-se a adesão ao programa “Bom Prato” por meio de chamamento público para parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, assegurando refeições acessíveis e de qualidade à população.
Fiscalização de Obras Paradas, com monitoramento e cobrança da retomada de obras essenciais para a recuperação do município, como a reconstrução da Estrada Beira Rio, que permanece inativa há dois anos.
Entenda como o movimento de moradores construiu uma Missão-Denúncia para fortalecer a mobilização e exigir providências concretas.
Após seis meses da tragédia, organizações e movimentos fizeram uma Missão-Denúncia a partir da apuração de violações de direitos humanos sofridas pela população vítima da tragédia-crime na Baixada Santista e no Litoral Norte de São Paulo. O documento foi encaminhado à prefeitura e à coordenação da Defesa Civil do município.
Realizada entre 24 e 26 de julho de 2023, a missão-denúncia revelou que muitas famílias continuavam sem acesso a moradia digna, água potável e benefícios sociais, além de apontar a omissão do poder público e o avanço da especulação imobiliária. Algumas pessoas realocadas provisoriamente pela Prefeitura Municipal de São Sebastião para pousadas ou abrigos provisórios foram obrigadas a voltar para suas casas que já tinham sido impactadas e ainda estavam em situação de risco.
Além disso, o relatório evidenciou que a solução habitacional oferecida pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo estadual paulista sugeria às vítimas se inscreverem no programa de habitação da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, o que não é justo, pois essas famílias já possuíam residência antes da tragédia e foram diretamente impactadas pelo desastre.
O processo da Missão ocorreu em três etapas: visitas às comunidades para ouvir moradores e documentar violações; tentativa de diálogo com autoridades, que enfrentou resistência do governo local e estadual; e uma audiência pública, onde as demandas das vítimas foram apresentadas oficialmente. Como alternativa às dificuldades de acesso ao governo municipal de São Sebastião, ao governo estadual de São Paulo e ao gabinete de crise criado após a tragédia, foi organizada uma Mesa de Diálogo liderada pela Defensoria Pública Estadual, que reuniu representantes do poder público e da população.
Além de denunciar, a missão também buscou fortalecer a mobilização popular e exigir providências concretas.
A tragédia de São Sebastião evidenciou desigualdades e descaso governamental, mas a luta das comunidades continua. A resistência organizada pelos moradores busca impedir remoções forçadas, cobrar fiscalização de obras paradas e garantir justiça climática. A mobilização social é essencial para que o direito à moradia e à cidade seja respeitado, garantindo um futuro mais seguro e justo para todos.
A tragédia de São Sebastião não pode ser esquecida, e a mobilização dos moradores reforça a necessidade de justiça climática e soluções concretas para aqueles que continuam a sofrer as consequências do descaso governamental. A luta por direitos não termina com a denúncia; ela continua até que todas as famílias tenham adaptação climática, resiliência, moradia digna e segura.
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