O governo de Porto Alegre não investiu na proteção contra enchentes e agora a cidade enfrenta sua maior tragédia. E se o orçamento tivesse sido feito pela população, como costumava ser?

Enchente em Porto Alegre, 2024. © Tuane Fernandes / Greenpeace

Desde abril de 2024, o estado do Rio Grande do Sul e sua capital, Porto Alegre, enfrentam a pior catástrofe ambiental de sua história. É até difícil pensar diante deste cenário que, no passado, a cidade foi um exemplo global de democracia com real participação das pessoas. Será que se esse direito continuasse garantido, a população estaria vivendo sob tamanha negligência do estado em preparar a cidade para as consequências da crise climática?

No final da década de 1980, Porto Alegre realizou com sucesso o primeiro sistema de orçamento participativo do mundo, capacitando os cidadãos a assumirem a responsabilidade pelas decisões financeiras municipais que dominavam suas vidas.

Graças ao programa, os moradores da cidade ganharam autonomia para tomar decisões coletivas na distribuição do orçamento da cidade, determinando quanto dinheiro deveria ser usado em diferentes áreas de governança e infraestrutura.

O modelo foi considerado de grande sucesso, pois teve como consequência a melhoria da vida da população local por meio da alocação de recursos destinados ao que as pessoas consideravam como prioritário à época. Por exemplo, entre 1988 e 1997, as conexões de esgoto e água passaram de 75% para 98% do total de residências, o número de escolas quadruplicou e o orçamento de saúde e educação aumentou de 13% para quase 40%2.

No entanto, o apoio político diminuiu ao longo dos anos, levando a uma queda da participação no programa, até que ele foi finalmente suspenso em 20173.

A destruição ambiental causada por eventos climáticos extremos também está indiscutivelmente ligada à degradação democrática – à medida que as corporações e o agronegócio exercem mais influência sobre políticos e instituições, eles também controlam os processos de tomada de decisão, despriorizando as medidas de adaptação climática e a segurança das pessoas mais vulnerabilizadas.

Nos últimos anos, o desmonte da legislação ambiental e a falta de financiamento1 para a prevenção de enchentes no âmbito municipal (por aqueles que podemos considerar negacionistas do clima) contribuíram para a perda de proteção da vegetação nativa e, consequentemente, aumentando o risco de segurança e resiliência das pessoas em um cenário de eventos extremos.

Enchente em Porto Alegre, 2024. © Tuane Fernandes / Greenpeace

Logo, essa é uma catástrofe anunciada. Em menos de um ano, o Rio Grande do Sul sofreu quatro grandes enchentes. Somente entre 30 de abril e 14 de maio, mais de dois milhões de pessoas na região foram afetadas pela emergência, com mais de meio milhão desalojadas.

Apesar dos avisos, a Prefeitura de Porto Alegre não investiu um centavo sequer em prevenção a enchentes em 20231. Fica a pergunta: será que se as pessoas tivessem tido acesso às decisões do orçamento, especialmente as mais vulnerabilizadas, a história seria diferente?

A democracia participativa e popular tem, entre os objetivos, garantir que a população interfira na gestão do orçamento a fim de garantir que ele seja direcionado para onde for de fato necessário, e não atenda apenas aos supostos benefícios do poder econômico.

Além de eventos climáticos extremos como esse, as políticas participativas e a democracia popular também provaram que podem garantir ganhos de longo prazo, como resultado de um maior apoio a iniciativas que beneficiam tanto as pessoas quanto o planeta.

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Consulte Growing the Alternatives, Chapter 1, “Real Participatory Democracy” – Por enquanto só disponível em inglês.

1- Diferentemente dos anos anteriores, o item “Melhorias do sistema de proteção contra enchentes” não foi incluído no orçamento de Porto Alegre para 2023, de acordo com o Portal Transparência da cidade.

2- Participatory Budgeting in Porto Alegre 1989-present – Participedia. (n.d.). Participedia.net. https://participedia.net/case/5524

3 – Abers, R., Brandão, I., King, R. & Votto, D. 2018. Porto Alegre: Participatory Budgeting and the Challenge of Sustaining Transformative Change. World Resources Report Case Study. Washington, DC, World Resources Institute. https://www.wri.org/research/porto-alegre-participatory-budgeting-and-challenge-sustaining-transformative-change

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