Acordo assinado entre os países amazônicos se compromete com os direitos dos povos originários e a demarcação de terras indígenas, mas possui brechas e lacunas

Amazon Summit in Belém, Brazil. © João Paulo Guimarães / Greenpeace
A Cúpula da Amazônia em Belém é o início de uma política ambiental internacional do governo Lula que culminará na COP 30, também na capital paraense em 2025 © João Paulo Guimarães / Greenpeace

Às vésperas do dia internacional dos povos indígenas, o principal resultado da Cúpula da Amazônia foi apresentado: a Declaração de Belém, que consolida uma agenda comum entre os oito países do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Desde 2009, o bloco não se reunia e sua reativação foi motivo de celebração e expectativa mundial. 

Lançada no dia 08 de agosto, a declaração final da Cúpula da Amazônia assume um compromisso com a promoção de direitos dos povos originários e comunidades tradicionais, e com a proteção de seus territórios, além de sugerir a adoção de medidas voltadas ao fortalecimento da diversidade cultural e dos conhecimentos ancestrais. São diretrizes preciosas que podem nortear a aplicação de políticas internacionais e regionais.

Contudo, a Declaração de Belém não estipula prazos para alcançar os objetivos acordados entre os chefes de estado. Para Danicley de Aguiar, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil: “a Declaração de Belém é sem dúvida uma carta de boas intenções, mas é urgente que os ministros de Relações Exteriores da Pan-Amazônia acelerem o diálogo e estabeleçam uma agenda estratégica para a implementação dos objetivos assumidos”. 

Além de não contar com metas e calendário definidos, outra preocupação é que a Declaração de Belém não faz menção ao desmatamento zero ou à exploração de combustíveis fósseis – ambos estão por trás da piora da crise climática e aceleram a proximidade do ponto de não retorno da Amazônia, ameaçando diretamente os povos e populações que vivem e sobrevivem da maior floresta tropical do mundo.

Amazon Summit in Belém, Brazil. © João Paulo Guimarães / Greenpeace
Além de autoridades, a Cúpula da Amazônia contou com a presença de representantes da sociedade civil, como lideranças indígenas e de movimentos sociais, que fizeram protestos e provocações durante todo o evento. © João Paulo Guimarães / Greenpeace

Amazônia livre de petróleo e garimpo

Apesar dos protestos de lideranças indígenas e de organizações sociais e científicas, a carta final deixou de fora a rejeição à exploração de petróleo na Amazônia, em meio aos debates sobre a Foz do Rio Amazonas. 

A Declaração de Belém até sinaliza uma cooperação regional e internacional para combater a mineração ilegal, tráfico ilícito e outros crimes, mas não rejeita de forma detalhada o avanço do garimpo no bioma — o texto cogita iniciar na Amazônia um diálogo sobre a “sustentabilidade de setores como a mineração ”, diante do avanço exponencial dessa atividade.

Entretanto, a extração de minérios ou de combustíveis fósseis em uma região tão rica e relevante, como a Amazônia, nada tem de sustentável. Pelo contrário! Aprofunda o modelo predatório que aprisiona a região ao subdesenvolvimento, e alimenta uma lógica que agrava o aquecimento global.

A própria Declaração de Belém atenta para o risco de exposição a mercúrio e outras substâncias perigosas derivadas da mineração, e pontua o combate à contaminação, que compromete a reprodução física e cultural dos povos indígenas que convivem há milhares de anos com a floresta.  

Apoiei os povos indígenas participando do nosso abaixo-assinado:
Amazônia Livre de Garimpo

Amazônia não é mercadoria 

Antes da Cúpula da Amazônia, ocorreram os Diálogos Amazônicos, que reuniu lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhas e de demais populações tradicionais da Amazônia, além de ambientalistas e representantes de organizações e movimento sociais.

As conclusões do Diálogos Amazônicos sistematizaram a contribuição da sociedade civil para a construção de um acordo pan-amazônico capaz de garantir o desenvolvimento regional, possibilitando uma economia que supere a pobreza, conviva com a floresta e respeite os direitos humanos. 

“Os movimentos populares expressaram profunda preocupação nos Diálogos Amazônicos com o falso consenso de que a floresta só tem valor se for transformada em commodity”, relata Danicley de Aguiar. 

“É urgente que o poder público ouça aqueles que de fato convivem e sobrevivem da floresta, priorizando a reprodução dos arranjos socioculturais locais e não apenas os interesses de mercado”. 

Para traçar, de fato, uma economia e uma transição ecológica justa para a Amazônia — superando a pobreza, a violência, o garimpo, o desmatamento e o petróleo —, é necessário reverter a lógica de monetização da floresta. E um passo crucial é aprender com os povos originários que há mais de 12 mil anos convivem com a floresta.

Cúpula da Amazônia e os direitos indígenas

No discurso de abertura, o presidente do Brasil, país sede, citou a importância das demarcações para a proteção da biodiversidade global e, consequentemente, para toda a humanidade — Lula até iria usar a Cúpula como palco para anunciar a demarcação de mais oito Terras Indígenas, o que não aconteceu. 

Embora o acordo pan-amazônico destaque o respeito aos povos originários e a demarcação das Terras Indígenas, o texto precisa sair do papel. Cabe ao poder público e privado aplicá-lo em políticas viáveis e concretas. 

A participação de indígenas nas decisões que impactam suas vidas também foi enfatizada. A ausência de escuta e consulta aos povos originários é recorrente, o que desencadeia em outras violações. 

A Declaração de Belém orienta os governos sobre o dever de adotar medidas para assegurar a participação plena e efetiva dos povos indígenas na política, em conformidade com os tratados internacionais como a Convenção 169 da OIT, Convenção sobre Diversidade Biológica e Declarações da ONU. 

People's March Amazon Summit in Belém, Brazil. © João Paulo Guimarães / Greenpeace
Além de lideranças indígenas e autoridades, a Cúpula da Amazônia contou com a presença de representantes da sociedade civil. © João Paulo Guimarães / Greenpeace

Segurança e justiça na Amazônia 

Os oito países amazônicos também se comprometeram a trabalhar em conjunto no combate à atividade ilícitas, como crimes ambientais. A Declaração de Belém pontuou uma “cooperação policial, judicial e de inteligência”. 

Um dos objetivos é implementar medidas para garantir um ambiente seguro para a população e organizações socioambientais, incluindo a criação de um observatório de direitos humanos para povos indígenas, lideranças e ativistas na Amazônia. 

O protagonismo de povos indígenas, mulheres e jovens nos espaços de decisão foi demandado, como a criação de um fórum sobre interseccionalidade de gênero, etnia e clima para promover políticas dignas e seguras de adaptação e mitigação às mudanças climáticas.

People's March Amazon Summit in Belém, Brazil. © João Paulo Guimarães / Greenpeace
Jovem indígena durante a Cúpula da Amazônia. © João Paulo Guimarães / Greenpeace

Alerta: marco temporal à vista no Congresso

Enquanto os olhos estavam voltados para a Cúpula da Amazônia, a bancada ruralista no Congresso brasileiro voltou a pautar o Projeto de Lei 2903/2003 (ex-PL 490), que trata da tese anti-indígena do marco temporal. Neste momento, a proposta está em discussão na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado Federal e, se for aprovada na casa, avança mais um passo na tramitação, podendo virar lei. 

Apelidado de “PL do marco temporal”, o projeto vai na contramão do compromisso assumido pelo Brasil recentemente na Declaração de Belém, pois entrega os territórios indígenas e suas riquezas à exploração predatória, aumentando os riscos para os povos originários e para o futuro de toda humanidade.

Apoie a defesa dos direitos indígenas participando e divulgando o abaixo-assinado: marco temporal não!

Sem a ajuda de pessoas como você, nosso trabalho não seria possível. O Greenpeace Brasil é uma organização independente - não aceitamos recursos de empresas, governos ou partidos políticos. Por favor, faça uma doação hoje mesmo e nos ajude a ampliar nosso trabalho de pesquisa, monitoramento e denúncia de crimes ambientais. Clique abaixo e faça a diferença!