A catadora Sônia Freitas, 58, mora na orla de Manaus (AM) e explica como a cheia do Rio Negro – que atingiu 30 metros, a maior da história – impactou sua vida

Sônia Freitas da Silva, 58, está há mais de um mês sem poder trabalhar por conta da cheia do Rio Negro, em Manaus. Ela mora desde os 19 anos na orla da cidade. Foto: Alberto Cesar Araújo/Amazônia Real.

As mudanças climáticas já são uma realidade e afetam principalmente as populações em situação de vulnerabilidade. É por isso que abrimos nossos canais para trazer a voz de quem já paga um preço alto pela falta de acesso a direitos básicos para uma vida digna e que têm suas vidas ainda mais impactadas pelo aumento de eventos extremos como cheias, secas e grandes tempestades. Essas pessoas são também as que menos contribuem com a crise climática.

Leia o depoimento de Sônia e acesse também nossos outros relatos.

“Me chamo Sônia, tenho 58 anos e trabalho catando latinhas no rio. Moro na orla do rio Negro, no bairro do São Raimundo. Moro com meu bebê, que é como eu chamo meu filho de 13 anos, e meu esposo. 

Como moro num flutuante, não tenho casa alagada; pelo menos isso não tem sido um problema pra mim. Eu pago uma pessoa pra vir dar aula pro meu filho em casa, porque a aula que ele recebe pela Internet não é boa. E tem meses que meu marido não está com a gente: ele trabalha como piloto de barco de pesca e vive viajando pelos rios. Não sei por onde ele anda e nem quando ele volta. A vida não é fácil, tenho problemas de pressão e peguei Covid-19 duas vezes.

A cheia começou a me dar prejuízo há mais ou menos um mês. Primeiro, porque as latinhas que eu costumava juntar ficavam no leito do rio seco. Com a cheia, as latinhas foram embora. Aí acabou minha fonte de renda. Quando eu achava bastante latinha, eu tirava uns R$ 30 ou R$ 40 por dia, um valor razoável. Em dias muito bons, era R$ 100. Mas por conta da cheia estou há mais de um mês parada, sem condições de trabalhar.

Essa situação ficou pior uns dias depois, quando roubaram a minha canoa. Eu acordei de manhã cedo, de madrugada, e vi dois homens indo embora com ela. Ainda pensei em reagir, mas estava escuro e fiquei com medo de eles estarem armados. Preferi ficar quieta e não arriscar.

Recentemente, Sônia teve sua canoa roubada, o que só piorou sua situação. Hoje ela precisa de alimentos e madeira para construir pontes. Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

Depois, o rio levou minha casa pra longe da rua Beira-Mar e fiquei sem acesso à rua. Preciso de uma ponte pra chegar lá. Por onde a gente sai de casa, tá tudo alagado. E não sou só eu que sofro com isso; tem umas sete famílias que usam o mesmo caminho que eu e precisam de uma ponte pra sair de casa. 

Estou com dificuldades para conseguir comida. Tem dois dias que não janto e hoje não tomei café. Recebo só o Bolsa-Família, que me paga R$ 190. Mas para quem compra comida, compra seu gás e paga aula pro filho, isso não dá pra nada. Isso não é dinheiro que dê pra manter uma casa. Aliás, nem estou mais comprando gás. Tem uns quinze dias que estou na lenha, estou sem condições de comprar gás. Ano passado recebi o auxílio emergencial que me ajudou bastante, mas esse ano não deu. 

Hoje eu preciso de muita ajuda, mas preciso principalmente de alimento e madeira. A gente não tem madeira, não tem nada pra gente fazer uma rota de saída. Se eu tivesse canoa, ainda arrancava algumas ripas, juntava pra fazer ponte, mas nem isso a gente tem mais. 

Eu tenho procurado algumas igrejas, fui numa igreja católica aqui perto, mas está difícil achar ajuda. Sou evangélica e na igreja que eu congrego, no Cacau-Pirêra, está tudo alagado. Eles não estão dando conta nem deles mesmos. Há muitas pessoas como eu, que estão necessitadas, e toda ajuda que vier será bem vinda. Eu confio no Deus que eu sigo, sei que ele vai tocar no coração de pessoas e que alguma ajuda vai chegar”. 

O Greenpeace Brasil realiza, nos próximos dias, uma grande entrega de cestas básicas para diversas famílias atingidas pela cheia nas zonas Sul e Leste de Manaus. Mil cestas serão distribuídas, que vão totalizar 10 toneladas de alimentos e vão beneficiar cerca de 440 famílias. Sônia está incluída nesta lista de beneficiários.  

Já existem soluções para a crise climática e que podem ajudar muito na resolução da crise econômica e social brasileira. Precisamos apenas ligar os pontos, contar com quem já está atuando junto e promover ações que contribuam para a construção de um mundo mais justo, inclusivo e em equilíbrio com o meio ambiente.

Assine a nossa petição para se juntar ao movimento de pessoas que reconhecem a urgência da crise climática, dar voz às pessoas mais afetadas por este problema e manter-se informado para nos mobilizarmos pela causa e pressionarmos as autoridades.

Cerca de 450 mil pessoas sofreram prejuízos por todo o Amazonas com as cheias dos rios em 2021, segundo a Defesa Civil do Estado. Foto: © Alberto Cesar Araújo/Amazônia Real

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