“O governo já errou demais historicamente com a população mais impactada pelas mudanças climáticas, pelos eventos extremos e a falta de políticas públicas”

© Mauricio Tonetto / Secom

O que aconteceu foi “muito além do que se estava esperando”, disse o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ao comentar a passagem de um ciclone extratropical e as fortes chuvas que caíram nos últimos dias e resultaram na morte de, pelo menos, 48 pessoas, e no desaparecimento de outras 46, segundo o último boletim da Defesa Civil.

Há seis meses, Felipe Augusto, prefeito de São Sebastião (SP), disse uma frase na mesma linha ao comentar a tragédia no Litoral Norte de São Paulo: “O que não se esperava era a densidade dessas chuvas”.

O “efeito surpresa” não pode ser mais desculpa para a falta de políticas públicas que se antecipem aos eventos climáticos extremos, cada vez mais intensos e, segundo a ciência, com a previsão de acontecerem com mais frequência.

Quantos mais precisarão morrer ou perder tudo para que os governantes garantam cidades seguras para todas as pessoas?”, questiona Igor Travassos, da frente de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil.

A histórica falta de implementação de políticas de prevenção a tragédias e garantia de resiliência para quem vive sob risco constante está custando caro demais a pessoas de várias regiões do Brasil, especialmente àquelas que vivem em situação de vulnerabilidade social e econômica.

O enfrentamento à emergência climática deve ser prioridade para o poder público. As fortes chuvas que resultaram em dezenas de mortes e milhares de desabrigados e/ou desalojados nesses últimos dias no Rio Grande do Sul são resultado da falta de políticas efetivas de prevenção, adaptação às mudanças climáticas e resposta aos eventos extremos. Não estamos lidando com um fato novo ou inesperado. O sul do país tem sofrido com os efeitos das passagens de ciclones na região por décadas e nada de concreto tem sido feito”, completa Travassos.

Audiência pública com o tema “Justiça Climática: um novo caminho para a adaptação no Brasil”, realizada em 4 de setembro de 2023, em Brasília. O objetivo foi reunir gestores públicos, representantes da sociedade civil e da academia para coletar subsídios que contribuam para a revisão do Plano Clima, que contém instrumentos como o Plano Nacional de Adaptação (PNA), além de propor formas de atuação para a promoção de justiça climática. 
© Fael Miranda

“Não podemos nos dar ao luxo de errar”

No último dia 4 de setembro, o Greenpeace Brasil participou de uma oficina promovida pelo Ministério do Meio Ambiente, através da Secretaria Nacional de Mudança do Clima, com o tema “Justiça Climática: um novo caminho para a adaptação no Brasil”.

O objetivo foi reunir gestores públicos, representantes da sociedade civil, do setor empresarial e da academia para coletar subsídios que contribuam para a revisão do Plano Clima, que contém instrumentos da política de adaptação, como o Plano Nacional de Adaptação (PNA), além de propor formas de atuação para a promoção de justiça climática.

O Brasil precisa atuar em duas frentes para o enfrentamento à crise climática e suas consequências: mitigação, que consiste em cortar as emissões, e entre as principais ações estão zerar o desmatamento e eliminar a exploração de combustíveis fósseis; e adaptar as cidades. 

Adaptar as cidades consiste em lidar com a garantia de moradia segura e regularização fundiária, principalmente para os grupos sociais de maior vulnerabilidade social e econômica; e aumentar a resiliência dessas populações em diversos setores, tanto sob cenário de eventos extremos, como no que se relaciona a questões como acesso à saúde, alimentação e outros direitos que garantam reparação histórica de um processo de produção de desigualdades, para a garantia de uma vida segura e digna. 

Durante o evento, foram realizadas duas mesas com o tema “Vozes pela Justiça Climática: diálogos e contribuições para o Plano Clima”, em que representantes do governo citaram que o processo não estaria completamente isento de erros. Só que a possibilidade de erro em um cenário em que pessoas morrem todos os anos após eventos climáticos extremos não foi bem aceita pela sociedade civil. 

A gente não pode se dar ao luxo de começar a pensar e a pautar a política pública pelo erro. O erro é uma consequência do caminho, mas não podemos normalizá-lo enquanto estamos falando sobre políticas de reparação. O governo já está errando demais, errando historicamente com a população mais impactada pelas mudanças climáticas, pelos eventos climáticos extremos e pela falta de políticas públicas. E o erro do governo leva à morte”, alertou Travassos.

O evento foi um primeiro passo para que o país comece a caminhar na esteira das ações de adaptação, mas ainda está muito longe de garantir segurança e resiliência para os 9,5 milhões de brasileiros* que moram em áreas de risco – sujeitas a deslizamentos de terra, enchentes e outros desastres climáticos.

As vozes presentes

A abertura da audiência pública contou com a presença das ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e de Igualdade Racial, Anielle Franco, além do Presidente do ICMBio, Mauro Pires. Em suas falas, trataram da necessidade da transversalidade da pauta climática nas diferentes esferas do governo e a importância de trazer a justiça climática para a centralidade da construção da política pública.

“Mais do que mitigar e adaptar, nós temos que transformar. O que precisamos fazer é (a soma de) adaptação, mitigação e transformação. Não tem como adaptar se continuarmos no mesmo velho modelo de desenvolvimento. Não tem mitigação que dê jeito! Precisamos de uma transformação que considere o saber dos povos indígenas, o saber popular, do povo preto do nosso país e que considere a nossa ciência”, defendeu Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Por parte da sociedade civil, participaram representantes da Rede de Adaptação Antirracista, como Amanda Costa, do Perifa Sustentável, Diosmar Filho, da Associação de Pesquisa Iyaleta, Mônica Oliveira, da Coalizão Negra por Direitos, e Sarah Marques, do Coletivo Caranguejo Tabaiares, entre outros.

Precisamos de ações permanentes

Uma comitiva de ministros esteve no local durante a semana passada e o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, comunicou o repasse de R$ 741 milhões da União para as cidades mais prejudicadas.

O governador Eduardo Leite (PSDB) decretou estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul e anunciou que as famílias desabrigadas e desalojadas, inscritas no CADúnico, vão receber R$ 2.500 e, quem não está fora de casa, mas foi atingido, irá receber R$ 700 para “ajudar a fazer compras daquilo que é mais necessário”.

As ações emergenciais são importantes para socorrer quem perdeu tudo, assim como as iniciativas de solidariedade que partem da sociedade civil. Mas sabemos que, infelizmente, ninguém é capaz de reconstruir uma vida com o valor do auxílio emergencial, e nem repor as inúmeras e imensuráveis perdas. 

Tão importante e urgente quanto o socorro imediato é a implementação de ações que garantam resiliência, enfrentem as desigualdades e evitem mais mortes e perdas após os eventos climáticos extremos.

Uma política norteadora das ações de estados e municípios elaborada junto às populações mais vulnerabilizadas é fundamental, como o Plano Clima e o Plano Nacional de Adaptação. Mas, enquanto os planos não saem do papel, os gestores públicos precisam agir para garantir o desenvolvimento de políticas de prevenção e de ações emergenciais, como sistemas de alerta nos territórios em área de risco, orientar a população sobre como proceder quando um evento extremo acontece, abrigos, e outras soluções que evitem mais perdas e mortes antes que as próximas chuvas cheguem.

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*A estimativa é do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações.

Última atualização: 18.09.23, 16h40

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