Agroecologia Contra a Fome: O Greenpeace doou alimentos para 1300 famílias do sertão da Bahia, região que enfrenta  grave crise hídrica causada pelo roubo d’água pelo agronegócio

Agroecologia Contra a fome: doação de alimentos para população de Correntina,  no interior da Bahia | Crédito: Marcos Rogério Beltrão dos Santos
Agroecologia Contra a Fome: doação de alimentos para população de Correntina, no interior da Bahia | Crédito: Marcos Rogério Beltrão dos Santos

A população da região com maior alta na produtividade do agronegócio no Brasil,   está passando fome. Diante de tamanha calamidade e da negligência do poder público, o Greenpeace resolveu se somar a outras organizações para doar comida de verdade para a população de Correntina,  no interior da Bahia, a 793 quilômetros de Salvador.

Embora não faltem alimentos no Brasil, afinal o país é o maior produtor de grãos e carne do mundo, a realidade é que a fome impera. Metade da população brasileira sofre atualmente com a restrição de alimentos. E as mulheres são as que mais convivem com o prato vazio. 

Cleuza de Oliveira, uma das beneficiadas das cestas agroecológicas doadas pelo Greenpeace, com apoio na produção e entrega pela Escola Família Agrícola, conta como foi receber o apoio: “Fiquei muito feliz. Estava indo comprar comida quando vocês chegaram. Mas essa cesta vai ajudar, porque o dinheiro não deu pra muita coisa. Está difícil esse ano. Mas, na cidade está pior ainda. Tudo é comprado, não dá para colher um caju e um limão. Aqui na roça, apesar de tudo, ainda temos um pouco mais”, conta a moradora da comunidade do Capão do Modesto, em Mutum, a 800 quilômetros da capital baiana.

A principal causa da fome em Correntina é a falta de água para produzir.  As comunidades estão sem água por conta do direcionamento dos rios da região para o agronegócio. Uma realidade que já provocou vários conflitos e mortes ao longo dos últimos anos, segundo o relatório Conflitos do Campo Brasil, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).  

“Estamos desde o início da Pandemia  sem água. O ano de 2020 foi o pior. As construções de cisternas foram inclusive paralisadas pelo governo”, diz Jandira Pereira Neves Lopes, da Associação Comunitária da Escola Família Agrícola Rural de Correntina e Arredores – Acefarca,  entidade que atua com a agricultura familiar e a produção de alimentos para a merenda escolar. 

Antes, com acesso aos rios, as famílias conseguiam garantir sua soberania alimentar.  “Quando não faltava água, a gente plantava mais. Hoje a água está difícil e a comida também. A gente só consegue plantar mandioca e produzir farinha, o resto falta. No passado tínhamos de tudo”, conta Cleuza.

Assim como em diversas outras localidades selecionadas para receber a doação de cestas agroecológicas,  o problema de Correntina não é a escassez de alimentos, e, sim, a falta de acesso pelo conjunto da população, principalmente por membros de comunidades tradicionais que vêm sofrendo constantemente ataques e intimidações por parte de grandes do agronegócio. Empreendimentos que invadem terras de uso comunal, fazem grilagem verde e acabam com os recursos hídricos. 

A região é conhecida pelo nome de “Além São Francisco” ou “Berço das Águas”, um local de veredas e nascentes.  Mas, na década de 1970, com projetos financiados pelo Estado e pelo capital internacional foram instalados piscinões e perfurações de grandes poços, diminuindo o volume de águas dos rios que abastecem a bacia hidrográfica do Rio Corrente. Agricultores familiares e a população mais pobre que ficaram fora deste sistema acabaram sem água. 

Outra raiz da escassez hídrica é a devastação do Cerrado. O bioma é o guardião das nascentes dos rios no Brasil e é conhecido como a caixa d’água do país.  A ocupação pela pecuária e as plantações de grãos, fomentados por políticas públicas federais, desencadearam a perda acumulada de 50% de sua área original. Para piorar a situação, a destruição do Cerrado foi intensificada em 2021, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e denúncias do Greenpeace Brasil. 

Em Correntina, agricultores familiares das Comunidades de Fecho, Fundo de Pasto, Comunidades urbanas e ribeirinhos são os que mais sofrem com a falta d’água.  Como resultado, as plantações de arroz, um dos alimentos mais impactados pela alta dos preços no Brasil, desapareceram junto com a água. “Antes, todos plantavam o arroz de várzea, nas margens do rio. Uma cultura de séculos feita com sementes nativas, as sementes crioulas. Mas sem água não tem como plantar arroz o suficiente para colher, pois os pássaros atacam muito esse cultivo. As famílias desistiram do arroz, ficaram com as sementes e sem comida no prato”, explica Marcos Rogério Beltrão dos Santos, agricultor familiar local.

Só a agroecologia salva

Os alimentos que integraram as cestas agroecológicas doadas para a população mais carente de Correntina são frutos da Agroecologia. As 200 cestas distribuídas continham 13 produtos da agricultura familiar, como alho, rapadura, beterraba, cenoura, couve, farinha, feijão, abóbora entre outros.  As doações chegaram a quase 4 toneladas de alimentos. “Essa ajuda vai ser muito boa para meus filhos e pra mim também. Agora, vamos poder dividir a comida”, diz Simone Pereira de Souza, de Correntina. 

Ao todo, foram 1.300 pessoas atendidas pela campanha na região de Correntina.  Dez comunidades da zona rural e oito regiões periféricas de Correntina, Mutum e  Santa Maria da Vitória receberam alimentos  ou contribuíram  com os seus cultivos agroecológicos,  livre de agrotóxicos e produzidos diretamente das mãos de agricultoras e agricultores familiares em parceria com a natureza.  Na outra ponta, cerca de 30 pequenos produtores foram beneficiados pela compra desses alimentos. A sociedade civil tem feito um esforço gigantesco para aplacar a sede e a fome. Mas, isso não dispensa uma ação enérgica do Estado e suas diversas instâncias, de assegurar o direito constitucional de todas as pessoas do Brasil a uma alimentação saudável e adequada. 

Para além da aquisição de alimentos da agricultura familiar e da doação para quem tem fome, denunciar o desigual sistema alimentar brasileiro, cobrar e desafiar os tomadores de decisão para que zelem com a vida das pessoas continuará sendo uma das missões do Greenpeace Brasil.

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